A-M-O-R

Acordei hoje de um sonho fantástico e perturbador. Talvez mais fantástico do que perturbador. Andava por uma praia de areia fina e dourada, tão dourada que espanhóis em outros tempos matariam por potes e mais potes daquela areia. A praia era vazia, bem vazia, e o céu era azul escuro e meio triste, e um sol triste de fim de dia. Andava, semi-nu, como se costuma fazer nesse tipo de ambiente. Não havia calor, pelo contrário, um friozinho aconchegante. Foi quando a vi - e ela é real...- andando pela praia, e me cumprimentou, seus cabelos loiros, seu corpo divinizado, algo como o nascimento de Vênus no pôr-do-sol. Seus olhinhos verdes, profundamente verdes, verdes graves que preenchem qualquer ambiente onde se encontram, de temor e contemplação. Mas um sorriso de mil borboletas brancas, e era ela. E nos sentamos, de fato, muito próximos um do outro, e, esquecendo do astro-rei que se deitava além do mar, nos beijamos longa e sensualmente durante um bom tempo (tempo de mundo de sonho). Senti aquele beijo, senti que era um beijo diferente de todo e qualquer outro beijo do universo. Foi um momento inigualável, o ápice do sentimento abstrato à sétima potência que se chama amor. A praia vazia, a natureza cuidadosa e observadora da perfeição daquele momento, daquela aliança atemporal entre homem e mulher, seus mestres tirânicos e poderosos. Não havia trilha sonora, ou quase barulho algum; ouvia-se, baixinho, ainda durante o beijo, o gemido do mar abraçando a areia, tímida e gentilmente. Nós dois nos encontrávamos da mesma forma, curiosamente, corpos unidos, quase mesclados. E nem vento havia.

Depois, estávamos juntos, como se teletransportados, para dentro de uma casa de praia, por sinal enorme, que era minha. E dois grandes amigos meus, juntos, com cara de bobos a me ver com aquele ser quase espiritual, uma verdadeira Beatriz. Eles realmente se entreolharam, surpresos, e subiram pela grande escadaria branca, parecida com aquela do final do filme Scarface. Nos falamos, depois que entramos. Por um curto corredor, bem iluminado e simples, com nada de muito espalhafatoso, como na escadaria. Iríamos sair para jantar, embora não me recorde de ter ouvido sua voz. Fui trocar de roupa no meu quarto, que era, na verdade, idêntico ao quarto que tinha quando criança. A noite já imperava fora das grades da janela, e uma luz trêmula iluminava meu guarda-roupa. Sentia-me numa situação totalmente inusitada, ao ter que escolher roupas que não usava mais desde os 14 anos, e que, provavelmente, não iriam caber em mim. Começava a ficar desconfortável com a situação, mas sentia a força do amor e da felicidade que me dominavam por completo, me domesticavam. Naquele momento, pensamentos se intercalavam com meu corpo, milhões de impulsos nervosos pelos meus axônios imaginários. E eram pensamentos sublimes, pensei de fato: "O que procuro nesta vida não é sexo, pois sexo, como já disse nosso colega, é uma mijada. É uma banalidade que não deve ser exaltada como nas propagandas de cerveja. O que realmente importa é o A-M-O-R cara, sentimento mais sublime e transcendental que se pode sentir em qualquer dos universos possíveis, sua força, sua inocência, sua santidade". Acordei, com a imagem do guarda-roupas na memória, mas esse pensamento fixou-se em minha mente, e acompanha-me até o presente momento. Acordei, acordei, mil pestes caiam sobre a mente humana! Não fosse instintivo, não acordaria jamais... Da praia e do amor para Brasília foi um salto mortal. No entanto... Ela existe, e é daqui.