QUE MAL LHE PERGUNTE?

QUE MAL LHE PERGUNTE? OU ATÉ ONDE VAI A MALDADE.

Flavio MPinto

- Pai, porquê o senhor não convida o Tio Joca para esse churrasco?

- Filho, o irmão da tua mãe não vai porquê eu e meus amigos não queremos.

- Isso não é resposta, pai.

- Meu filho, um dia te contarei. Fique tranqüilo. Mais tarde quando cresceres. Podes me cobrar. Confie no seu pai. Agora vá dormir.

Ainda era cedo para contar toda verdade ao seu pequeno filho. Apenas 6 anos, mal entrara na escola. Mas as crianças de hoje...

Dinarte anualmente fazia um churrasco no último fim de semana de maio para comemorar um outro churrasco que não ocorrera , também na última semana de maio, porém em 1972. Ele e seus mais diletos amigos se reuniam para comemorar a intensa amizade que os unia desde pequenos. Neste dia, deixavam as famílias de lado e passavam juntos. Saudades, tristezas e agradecimentos a Deus.

Cresceram juntos, jogavam no mesmo time de futebol de salão na Pracinha de Esportes em Livramento, passeavam, iam a bailes, se divertiam. Sempre unidos. Apenas se separavam para estudar. Na mesma escola, mas em turmas diferentes. Só João não estudava: era carroceiro e ajudava o pai.

Reuniam-se mensalmente em Rivera na casa de D.Cacho, cabo do Exército uruguaio e treinador do time, para um churrasco e comentar sobre futebol. E coisas de jovens.

Helena, quando chegava a data do churrasco anual silenciava. Tinha seus motivos. Sempre lembrava os tempos em que seu irmão Joca, ainda jovem, andava metido em grupos políticos. Tinha calafrios. Mas não sabia, naquele tempo, da missão do irmão naqueles grupos.

Meses depois, Osmar, conhecido como Tatu, vai á casa de Leandro buscá-lo para uma partida, na realidade um torneio na Cuaró. Era a inauguração de uma quadra nova e participariam inúmeros times de Livramento e Rivera. Uma experiência nova, a de um torneio internacional. Atravessariam a fronteira e pronto.

Disputam os jogos eliminatórios e chegam a final, que vencem com louvor. Com a taça na mão e medalhas no peito, o treinador os chama para irem a sua casa comemorar e comer um bom churrasco. Adiantou que ia à frente para preparar tudo, já que aquele dia era muy especial e quase duas da tarde.

Lá pelas tantas, Rosita, mulher de D.Cacho, esbaforida, chega correndo á quadra.

- Papito, Papito, mal cheguei do hospital e a casa explodiu. Ainda bem que não tinha ninguém lá.

Não parava de chorar.

Todos correram para a Cuaró. Lá chegando, com a casa ainda fumegando, os bombeiros faziam o rescaldo do que restara da pequena casa.

- Ainda bem que temos a casa de mi madre, falou D.Cacho.

- Pelo menos o botijão explodiu quando não tinha ninguém em casa e não havia começado o churrasco. Se não, os explodidos seríamos nós todos, disse o incrédulo Tatu.

Tristes pelo incidente, mas felizes pelo torneio, e mais por terem sido salvos pelo destino, a gurizada vai cada um para sua casa nada comentando. Apenas tristes e assustados.

Tempos depois, já tendo D.Cacho voltado a vida normal, a policia uruguaia desbarata uma célula terrorista que infernizava a cidade. Até o padre estava metido no meio. Descobrem também que haviam brasileiros dentre eles. Eram Androva e um de codinome Menendez- nada menos que Joca, irmão de Helena, agora casada com Dinarte. Como estavam no Brasil, não foram perseguidos por la policia uruguaya.

Na fronteira, ele integrava a seção brasileira juntamente com Androva, uma ruiva magricela, sardenta, filha dos russos donos da Farmácia Central e que estudava na mesma série dos rapazes.

Do comando, Joca recebera a tarefa de fazer um levantamento para futura ação contra um militar uruguaio. Sabia que era D.Cacho. No entanto, tudo pela causa. "O ódio é um elemento da luta - ódio impiedoso ao inimigo, ódio que ergue o revolucionário acima das limitações naturais da espécie humana e faz dele uma eficiente, calculista e fria máquina de matar". Joca sempre lembrava essas palavras de Androva recordando ensinamento de Che Guevara. Não podia se deixar levar pela amizade que não tinha. Cumpriria sua tarefa. Assim o Comitê exigia. Para tal, ás vezes ia aos churrascos na casa de D.Cacho. Quanto a Androva, pediram-lhe uma prova de fidelidade: danificar as cabines de votação colocadas nas salas de aula para o pleito que se aproximava e assim ela o fez gerando enormes problemas para a direção da escola estadual.Menendez seria o executor do plano de explosão da casa de um militar - o cabo de cavalleria Suárez, do 3º Regimiento de Cavalleria Blanco, o D.Cacho. Por sorte, o botijão explodira antes da hora e não ferira ninguém, a não ser a destruição da casa.

* Livramento- Sant'Ana do Livramento-Brasil, cidade gêmea com Rivera-Uruguai