NATAL NA PRISÃO

NATAL NA PRISÃO

Na antiga cadeia de Vila de São João viviam doze presos, outras pessoas bem que mereciam estar lá, mas o espaço era reduzido e o jeito era prender os perigosos e ficar de olho nos pés de chinelo e ficar de olho era a especialidade do delegado Zurico, ele parecia ter olhos atrás da cabeça, via tudo, sabia de tudo e castigava pobres e ricos com a mesmo dureza, mas era um homem que amava a justiça, isso ninguém era capaz de negar.

Os dias e as noites passavam na modorra de sempre, tudo igual até chegar o mês de Dezembro, ai a situação mudou: os presos ficaram inquietos e rebeldes, brigavam uns com os outros, recusavam a comida e diziam palavrões para o coitado do carcereiro que era obrigado a chamar o delegado para acalmar as coisas.

Essa situação deixava Zurico mais zangado que de costume e ele pensava: o que será que está acontecendo com essas pestes, será que enlouqueceram? na duvida resolveu consultar Sá Marica, sua sensata e bondosa esposa, ela matou a charada em um minuto e disse: meu marido está chegando o Natal e os presos se ressentem de sua situação, longe de suas famílias, sem direito a nada, eles ficam tristes e partem para a violência, afinal ainda são seres humanos apesar de seus crimes.

Zurico pensou durante alguns dias e se decidiu: se o problema é o Natal resolvo isso agora mesmo, saiu, comprou tintas e pinceis e disse aos presos: olha aqui seus malandros, vocês não merecem nada, mas Sá Marica acha que vocês ainda são gente, por isso vão pintar e faxinar a cadeia toda, porque vou permitir a vinda de suas famílias para uma festa de Natal, mas se houver qualquer arruaça aqui dentro, cancelo tudo e meu chicote vai cantar, comecem a trabalhar e rápido.

Os presos ficaram apalermados, o delegado ia dar uma festa e isso era difícil de acreditar, mas trataram de trabalhar rápido e em perfeita harmonia e muito bem vigiados por um soldado armado e atento; a noticia da festa correu e o povo da vila não acreditou, porque o delegado não era dado a festas, ele nem sabia rir e conferir com o próprio era impossível, ninguém tinha coragem.

O vigário da paróquia era o caridoso padre José e apesar de não concordar com os métodos de disciplina do delegado, eles era amigos, o padre resolveu tirar a historia a limpo, procurou Zurico e perguntou se era verdade que ia ter festa de Natal ou se era boato, o delegado disse: uai padre José, vai ter festa mesmo sô, Sá Marica disse que os presos são humanos e eu não posso ser menos que eles, ora essa.

O padre voltou para a igreja, tocou o sino e quando o povo se reuniu, ele disse: gente a festa do delegado vai sair mesmo e nós vamos ajudar, cada um leve o que puder e entregue a Sá Marica, serve qualquer produto de suas roças e hortas e as senhoras se ofereçam para ajudar no que precisar; eu vou celebrar uma missa no pátio da cadeia, porque se o delegado pode abrandar, nós também podemos, vamos lá gente.

Sá Marica se assustou quando a ajuda começou a chegar, era uma fila de leitões, frangos, queijos, leite, ovos e todo tipo de frutas, enfim era uma fartura só, as senhoras vieram ajudar no preparo de tudo aquilo e o que era para ser uma festinha, estava se transformando em um verdadeiro banquete; Seu Zezeca Carpinteiro se ofereceu para fazer carrinhos e cavalinhos de madeira para os meninos e Sá Rosinha começou logo a preparar lindas bonecas de retalhos para as meninas.

Naquele tempo não tinha corrupção e o delegado era um homem honesto e pobre, sozinho não poderia realizar uma festa como aquela, seria um café com broa e só, mas com o ataque de solidariedade do padre José e do povo da vila, a festa prometia ser um sucesso; na manhã do dia de Natal, o pátio da velha cadeia estava lotado, os presos de roupas limpas se misturavam ao povo da vila, com suas roupas de festa, no altar armado pelos presos o padre José se preparava para celebrar a Santa Missa.

A missa se estendeu por horas, o padre comandou o povo e os presos em orações para todos os santos existentes no céu e por todas as almas do purgatório, cantou e fez cantar todas as ladainhas conhecidas e algumas que inventou na hora e quando ninguém agüentava mais ele começou a pregação e falou tudo que sabia sobre o Natal e a paz de Cristo, aproveitando para umas indiretas para o delegado, que se fez de surdo.

O sol estava a pino, meio dia já passado e o padre José pregava e pregava, a fome corria solta o delegado se cansou e tomou uma de suas atitudes drásticas, se levantou e disse: amigo padre José receba meus votos de Feliz Natal e meus agradecimentos por sua ajuda e pela bela missa, que, diga-se de passagem, está de bom tamanho, Deus abençoa a todos presos e libertos, a quem ajudou ou só veio para a boca livre, amém e vamos comer que ninguém é de ferro.

O povo faminto não perdeu tempo, correu para as mesas já postas e foi aquela alegria; comida tinha com fartura e foi devorada rapidamente e quando os deliciosos doces mineiros de Sá Marica foram servidos, ai sim a alegria dobrou porque ninguém preparava doces como ela; depois de toda aquela comilança veio a distribuição de presentes, bonecas para as meninas, carrinhos para os meninos e pequenas lembranças para os adultos.

Os presos se chegaram meio cabreiros ao delegado e ofereceram uma pesada cadeira, que tinham feito em segredo para o merecido descanso daquele zangado porem justo guerreiro, para Sá Marica fizeram uma bela caixa de costura, ela chorou emocionada e abraçou a todos e o delegado como sempre disse as ultimas palavras, bem assim: gente vão para suas casas e presos voltem as suas celas, festa acabada, músicos a pé; tudo voltou ao normal, o delegado Zurico com suas broncas e os presos agüentando o tranco, mas Deus seja louvado, foi um Feliz Natal.

Maria Aparecida Felicori{Vó Fia}

Texto registrado no EDA

Vó Fia
Enviado por Vó Fia em 23/12/2008
Código do texto: T1349246
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