O Caninho

Era apenas um cano de pvc, não tinha mais do que meio metro, mas bastara para acender todas as luzes da imaginação de Clara.

Era sábado. Havia acabado de chover, e o sol aparecera para contemplar a natureza recém envernizada, como no dia da Criação.

Clara e sua prima Luiza saíram pelo quintal para brincar, quando Clara deparou-se com um cano de pvc jogado num canto perto de uma pilha de tijolos, a seus olhos havia algo diferente nele, Clara pegou-o e com a ajuda de sua prima lavaram-no com sabão em pó perfumado e cheio de bolhas!

Riram muito com o banho do pequeno cano, apesar de algumas manchas de tinta verde escuro e os leves amassados nas extremidades, o cano estava novinho! Saíram então a conversar com ele nas mãos e tocavam com o recém amigo cada pé de fruto ou de flor, fazendo derrubar a límpida água da chuva que jazia em suas folhas e pétalas.

O caninho, como elas o chamavam passou a acompanhá-las em suas brincadeiras, até que o sol de longe disse adeus e os primeiros grilos anunciavam apressados a noite que estava ás portas.

-O que faremos com o caninho? Perguntou aflita Clara.

-Vamos guardá-lo, precisamos encontrar um esconderijo onde seu pai ou meu irmão não o vejam!

-Sim Luíza, seria muito triste ver nosso amigo acabar enterrado no chão ou em alguma parede! - pensaram, pensaram, até que finalmente tiveram uma idéia- Venha já sei onde podemos deixá-lo!-disse Clara entusiasmada.

Subiram no muro e alcançaram o cume do parreiral, onde uma das travessas já abaulada e podre formava um bom esconderijo, um berço para o caninho.

Ali ninguém o pegaria, só subindo no muro é que poderiam enxergar o amigo caninho,

e assim fizeram as duas primas.

Todos os dias iam brincar com seu caninho... Luíza até tentou achar um só para si, porém percebera que não havia o encanto do verdadeiro caninho, e abandonara a idéia.

Numa tarde, dessas que só existem na infância, que equivalem a dias e dias, de tantas aventuras que se vive, elas estavam num monte de areia brincando acompanhadas do amiguinho, quando Clara levantou-o, apontou-o para o céu e olhou através dele.

-É um telescópio?- perguntou animada Luíza.

-Pode ser Luíza, mas um telescópio diferente, ele mostra o mundo todo para mim, basta apontar para alguma direção, veja, estou vendo Paris!

-Deixe-me ver Clara!

-É mesmo! E com um ajuste de foco, podemos até entrar na casa de nossos ídolos e ver o que estão fazendo!

-Que idéia Luíza!-disse Clara aborrecida- Dê-me o caninho! Quero ver a torre Eiffel!Agora vou poder ver como são cor de rosa as tardes em Paris!

E assim passavam a tarde toda, viajando ao redor do mundo, mas sempre passando por Paris!

-Um dia- dizia Clara- O caninho vai voar até lá, e eu também irei!

Certo dia, Clara acordou e como sempre fora visita-lo na parreira, mas qual foi sua surpresa quando subindo no muro colocou a mão por toda a viga da parreira e nada dele!

Saiu correndo chamar Luíza, que morava apenas duas casas distante da sua, Luíza veio esbaforida, ela era mais velha, mais alta, poderia descobrir o que havia acontecido, e encontrar se querido amigo!

-Sumiu Clara! Não está aqui não!

-Você contou para alguém Luíza?

-Não! Para ninguém Clara!Juro!

E ficaram o dia todo atrás do caninho, Clara interrogou seus pais e eles sem entender muito bem o que ela queria com um pedaço de cano pvc, disseram que não o haviam visto, Marcos, irmão de Luíza também dissera que nem sabia do que se tratava...

Todos os dias Clara ia ao final da tarde, ver se o caninho havia voltado...

-Ele deve estar viajando, deve estar em Paris- pensava com o olhar perdido no azul do céu.

Esse episódio ficara perdido entre os aniversários e as tardes de brincadeiras com os primos.

Clara e Luíza tornaram-se moças, mas de vez em quando Clara ainda lembrava da história de seu amiguinho caninho...

Um dia, depois de décadas e décadas, ela foi á Paris, e ao ver a Torre Eiffel, lembrara de seu amiguinho de infância, e imaginava se por ali ele não estaria a olhar a cidade e na outra ponta os olhos de uma criança sonhadora e feliz!

Katia Silene Ceregatto Venturoli
Enviado por Katia Silene Ceregatto Venturoli em 07/04/2006
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