PERFIL DE UMA MULHER ESPECIAL

Fina e fria era a chuva que caía sobre a cidade. Lágrimas de saudade antecipada. Era o dia em que mamãe seguia para juntar-se ao Criador, a fim de descansar dos afazeres terrestres Treze de agosto, que ela costumava chamar de "dia do desgosto".

Viveu praticando somente o bem nesta vida, que lhe proporcionou tantas passagens desagradáveis.

Órfã de mãe, seu pai casou-se novamente quando ela contava apenas quatro anos, tendo assim iniciado seu rosário de lágrimas".

A madrasta, mulher má,a transformou em sua serviçal e dava-lhe surras constantes,tendo numa dessas vezes desmaiado ao rolar escada abaixo e quando voltou a si ninguém estava perto.Mathilde, esse era o nome de minha mãe,costumava dizer que somente se lembrava que desde tenra idade, sempre trabalhara muito levando gemadas para a madrasta e as filhas da mesma e limpando a casa. Era na realidade uma "gata borralheira".Seu pai passava o dia na loja, não tendo conhecimento do que acontecia.Constantemente

ameaçada pela substituta de sua mãe, se por acaso contasse ao pai sobre os maus tratos que sofria, amedrontada a menina calava-se.

Quando estava com dezesseis anos, um primo seu, vindo de outra cidade,passou a residir na mesma casa pois viera para trabalhar com o tio. Logo o tal rapaz sentiu-se atraído por Mathilde, julgando a princípio ser ela empregada da casa. Depois de algum tempo, ao ouvir a megera maltratando a moça, ele propôs a mesma irem para a casa de seus pais. Após pensar, depois de alguns dias ela aceitou, e lá chegando escreveu ao pai contando que iam se casar. O casamento aconteceu após alguns meses, durante os quais auxiliava a cunhada nos serviços da casa e costurava e bordava seu enxoval.

Teve início uma nova fase na vida da jovem, que podia considerar-se feliz.Algum tempo depois o casal já com a primeira filha, voltou a residir na cidade em que moravam anteriormente numa casa cedida pelo pai da moça. Alguns anos depois construíram sua casa própria, ajudados também pelo pai que cedia os materiais de construção de sua loja e descontava no salário mensal do rapaz. Mais tarde cons- truíram uma casa maior e mais perto do centro, também com a ajuda paterna, onde criaram os três filhos.

Apesar da vida sofrida anteriormente e dos trabalhos que sempre teve, Mathilde era muito alegre, ou melhor, enxugava as lágrimas às escondidas. Criatura muito caridosa, preocupada com a felicidade da família e do próximo,sua existência constituía-se em fazer o bem a todos, inclusive a quem lhe fizera mal, como é o caso da irmã por parte de pai, para a qual costurou todo o enxoval de casamento.Sempre servia a madrasta e as irmãs, apesar das maldades recebidas."Faz-se o bem e não se olha a quem", dizia ela.

Ela e o marido criaram os filhos no sistema tradicional, dando-lhes os meios, isto é, o estudo, pois ela só tivera quatro anos de escolaridade.

Com o casamento de sua primeira filha , Myriam,começou nova onda de sofrimentos na vida de nossa heroína, pois o genro maltrava a moça que lecionava na escola, e em casa dava aulas de piano porque o marido contribuía com o mínmo para o sustento e educação dos filhos, mesmo tendo condições. Após vinte anos dessa convivência sofrida o casal separou-se.

Sem saúde como a filha, que trabalhara tanto embora doente, pela judiação do marido,Mathilde dedicava-se a causas sociais, presidindo a Associação das Senhoras Católicas de seu bairro e a Associação dos Vicentinos.

Naquela manhã fria de agosto, a presença de inumeráveis pessoas, traz agora a nossa mente, o grande amor ao próximo e a caridade inesgotável praticada por essa mulher especial, que deu tanto de si embora tenha recebido tão pouco.

marlene andrade reis
Enviado por marlene andrade reis em 08/04/2006
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