O amor de Zé da jega

Ele deveria ter entre trinta a trinta e cinco anos de idade. Era solteiro por opção e vivia de uma pequena lavoura de onde retirava seu sustento.

Muitos o conheciam simplesmente por Zé, nada mais que Zé, pois não lhe foi dado um nome próprio, nem sobrenome - assim diziam aqueles que bem o conheciam. Mas a partir de um fatídico dia o seu apelido foi acrescido com um outro, não muito agradável, o que lhe deu a fama, e a partir daí sua vida modificou frente ao assédio popular.

O desconhecido Zé, sempre montado numa jeguinha, só aparecia na cidade para comprar fósforos, fumo de rolo, querosene, cachaça, sal grosso, açúcar cristal e outros itens indispensáveis, tudo adquirido na feira livre das segundas-feiras.

Diziam as más línguas que o Zé possuía uma grande idolatria pela tal jeguinha que possuía, a quem vivia alisando e banhando-a no tanque com sabonetes e ervas aromáticas, e que a punha para dormir dentro de sua palhoça para lhe fazer companhia; e que dela nunca se apartava, daí o famoso apelido que lhe deram: Zé da jega.

Não se sabe ao certo quem foi o idealizador, o grande criador do famoso apelido. Sabe-se, portanto, que o mesmo partiu de alguém de suas proximidades.

Chamá-lo em público de Zé da jega seria mais ofensivo que xingar sua própria mãe de prostituta. O homem se virava pelo avesso; se endemoniava de ódio e distribuía palavrões em todas as direções. Ninguém escapava de ouvir suas baixezas.

Disseram que, quando, pela primeira vez, o chamaram de Zé da jega, ele mansamente retrucou:

- Zé da jega é a sua mãe!

Já, pela segunda vez, ele disse enfurecido:

- Zé da jega é a p.q.pariu!

E a partir daí o apelido pegou e se espalhou de boca em boca, e ele se enfurecia tal qual um leão faminto, partia pra cima do ofensor com uma faca de “sete tostões” nas mãos, xingando os mais baixos nomes possíveis, o quê causava risos e mais risos em todos que ouviam.

Não lhe havia respeito nem limites ao xingar crianças, mulheres, donzelas, velhas e velhos. Para ele qualquer um era qualquer um... DANE-SE, assim dizia no final de cada espetáculo.

Em todo lugar por onde ele passava o assédio moral era instantâneo e implacável.

- Zé da jeeeega! - gritavam aqui.

- Zé da jeeeega! - gritavam ali.

- Zé da jeeeega! - gritavam acolá.

O homem ficava enlouquecido sem saber de onde vinham as vozes e na insaciável vontade de matar um ele corria endiabrado em todas as direções.

A feira livre da cidade transformou-se no picadeiro da desordem. Nela o frenético corre-corre era temperado com gargalhadas e alvoroços. Um prazer sórdido se apossava de todos que só queriam vê-lo odioso e furioso. O Zé queria se vingar, agarrar, esfaquear, matar alguém. Por fim lhe apareceu o soldado Romão, que cumprindo ordem superior lhe esbravejou:

- Zé da jega, têje prezo.

E o pobre homem, ao ser chamado de Zé da jega cara-a-cara, ficou com os nervos à flor-da-pele, e sem pestanejar lhe respondeu:

- Zé da jega é a p. q. te pariu, seu fi duma égua!

O soldado teria que prende-lo a qualquer custo, e o fez.

No trajeto da prisão uma multidão saiu em procissão, gritando.

- Zé da jeeeega! - Zé da jeeeega! - Zé da jeeeega!

O delegado ordenou que o pobre diabo se afastasse da cidade e nunca mais voltasse.

Zé da jega jamais ficou esquecido por todos os moradores do lugar. Ao certo ele exilou-se com sua jeguinha em algum paraíso no agreste e por lá morreu sossegado.

José Pedreira da Cruz
Enviado por José Pedreira da Cruz em 04/01/2009
Reeditado em 05/01/2009
Código do texto: T1366796
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