Adeus ano velho...
Abriu um bom wisk, colocou algumas pedras de gelo, e nada além, para que assim o gosto seco e indiscutivelmente amargo da bebida não se perdesse em nenhum outro acompanhamento doce, acendeu um cigarro de cravo e delirou com a fumaça e o cheiro que ficava pelo ar, formando desenhos abstratos que por minutos distraiu aquela mente. Pelo apartamento algumas begônias, orquídeas e lírios, dando um colorido inarrável para aquele lugar vazio, frio e solitário, porém como era o último dia do ano, talvez alguns gastos fosse algo compensador para entrar o novo ano ao menos um pouco mais alegre, não que acreditasse em mudanças, muito menos em simpatias e orixás, mas dentro daquele coração, havia uma pontinha de esperança.
Na vitrola Chico Buarque embalava a noite “como beber dessa bebida amarga, tragar a dor, engolir a labuta... silêncio na cidade”, espantou-se como aquela música parecia que tinha sido escrita para ele, e definitivamente a escolheu para a grande virada, “Cálice”, realmente foi isso que ele fez durante a vida toda.
Já era meia noite, podia ver janela abaixo pessoas se abraçando, fogos de artifício pelos ares, o colorido invadia aquela cidade cinza, as luzes dos fogos invadiam seu apartamento, como se aquelas luzes quisessem puxá-lo para fora e jogá-lo em meio à multidão, para que mais uma vez ele tentasse ser feliz, tentasse olhar rostos, corpos, tentasse sentir cheiros e gostos diferentes, mais hoje não, hoje talvez fosse melhor tomar um “porre” junto com as flores que enfeitavam o apartamento, perder a cabeça, dançar sozinho um blues qualquer e dormir.
Acendeu um cigarro, chorou baixinho e brindou na janela, na tentativa que alguém olhasse pra cima e acenasse, fazendo com que ele não resistisse e pela janela mesmo se jogasse na multidão, porém na tentativa de se auto afirmar repetiu algumas vezes “mas hoje não” e em silêncio cantarolou “ADEUS ANO VELHO, FELIZ ANO NOVO” com a absoluta certeza que 2009 seria diferente, e quem sabe não será?