A escolha da ilha

As lagrimas não secaram com o sol da manhã e além de tudo marcaram o rosto com sua queda, de forma definitiva, manchando a beleza da face que refletia no espelho...

Confessava que gostaria que o tempo passasse, que a semana acabasse, que as escolhas da vida pudessem ser selecionadas ao bel prazer do vento sem destino.

Gostaria de esquecer o selo com o nome tatuado no braço, também gostaria de esquecer o selo que foi colocado na sua memória, que lhe pulsava toda vez que uma musica de amor tocava nas vitrolas das ruas, toda vez que uma tarde se punha, toda vez que um casal se beijava na praça do centro da cidade, gostaria de esquecer tudo, como tudo aconteceu.

Perguntava-se o que estava fazendo com a cara afundada no travesseiro como se estivesse sem vida, como se o seu coração não mais pulsasse, como se o sangue não corresse na suas veias, como se ele desejasse aquilo sem a força física para se fazer de sua própria física extinguindo-se de forma rápida.

Era ele um covarde de marca maior, sem a capacidade de realizar um desejo palpável, mesmo tendo pleno conhecimento do que queria. Lembrava-se da célebre frase de Kurt Cobain “É melhor queimar logo do que apagar-se aos poucos”.

Desejava com todas as forças que continha no seu pensamento que a morte lhe batesse a porta, mas não tinha a coragem necessária para chamá-la pra dançar no salão grande da vida torta.

Há meses não se alimentava bem, as suas calças já estavam começando a ficar folgadas, sua vida tinha tomado uma tonalidade escura, seus olhos que geralmente fitavam o horizonte, agora perdiam o brilho do seu azul impactante e se tornavam opacos e sem vida, fitando desoladamente o chão.

Era necessário fazer escolhas, mas ele parecia já não ter força para escolher os seus próprios rumos, e a vida como grande cobradora de atitudes acabava lhe jogando num jogo onde ele sempre era o perdedor e por estes prévios fracassos em se isentar de fazer escolhas acabava entrando num processo onde ele apenas definhava.

O silêncio e a solidão do quarto pareciam ter adquirido formas, tonalidades, gostos e atitudes de fantasmas pacíficos, porém assustadores.

Parecia que a sua fria alma tinha se perdido em alguma esquina da vida, jogada entre prostitutas e drogas, amargando a letargia da sua pífia existência.

Sua dor era constante e aguda como o som de um violino cortando o silêncio do ar.

Parecia perdido no mar, sozinho, sem amigos, sem tripulação e com a total incumbência de sobreviver, mesmo diante das ondas gigantescas que se levantavam assustadoramente aterrorizando o seu coração que a muito caminhava em farrapos.

Lembrava-se com uma nostalgia que lhe corroia as entranhas de sua infância azul e branca jogando bola de pés descalços na calçada alheio ao mundo e a todos que nele habitavam.

Lembrava-se das idéias que colocava no papel, pensando que poderia salvar a todos como um herói da sua desolada pátria, pensava que os homens um dia iriam se respeitar e se amarem com irmãos, pensava que existiriam dias de paz e luz.

Ele jurava que no Rio de Janeiro as balas não cortariam o céu azul com o sangue vermelho que carregavam e arrancavam da carne humana.

Ele sonhava que os artistas do novo século cantariam as boas novas de um povo feliz na vida e completo na existência.

Depois de anos de idealismos, pôde constatar que os seus prognósticos para o futuro da humanidade estavam errados e que até ele caiu neste erro fazendo parte de tudo aquilo, e o pior, sendo apenas mais um em meio à multidão.

Além de seus sonhos que foram descartados, sua juventude que parecia velha e cansada ele tinha que suportar a insatisfação e as traições, de amigos, de namoradas e até mesmo de companheiros da luta por um Brasil melhor e mais justo.

Via as drogas como uma ilha, observava o sexo como outra ilha e mais adiante avistava o álcool como outra ilha formando assim um arquipélago que o cercava e o afogava em sua própria dor e desespero.

Assim escolheu os seus rumos, pois estas ilhas ele escolher, e pelas areias desta ilha ele terá que caminhar.