Quando chega o fim

Dona Rita tinha 72 anos. Era uma mulher vaidosa e muito bem arrumada. Seu espírito era jovem como o de uma adolescente do ginásio.

Ela morava num apartamento espaçoso, o qual dividia com os seus amigos: Lúcio, Dora, Ketlen, Ademar e Lídia.

Todos pessoas muito joviais e que sabiam aproveitar o melhor da vida. Fosse nas festas banhadas à champanhe, fosse nas rodadas de pôquer.

Mas uma coisa estranha envolvia a todos eles. Eles nunca saíam de casa. Fosse ano novo, fosse enterro. Era como se a vida deles tivesse sido compactada àquele festivo apartamento. No entanto, as luzes estavam sempre acesas durante a noite. Como se a diversão lá dentro independesse do mundo lá fora.

Dona Rita, cuja pele nunca se viu mais pálida, esquecera o sabor da luz do sol. Jamais saíra da festa diária e parecia ostentar-se com seu vestido vermelho e suas jóias brilhantes, há muito não usadas. Conversava muito com os amigos sobre sua vida. Sobre seu filho que estava servindo a Marinha e não o via há anos. Sobre seu marido que estava viajando a negócios. E sobre as antigas amigas que tinha no bairro.

Mas agora tinha gente melhor pra conversar. Agora tinha Lúcio, Dora, Ketlen, Ademar e Lídia. Tinha com quem festejar e celebrar sua felicidade. Eles a ouviam como ninguém. Ela era uma mulher feliz.

Certo dia, ao acordar, Dona Rita não encontrou nenhum de seus amigos. Não estavam em casa. Estranho, porque nunca saíam, o que a deixou extremamente desesperada.

Dona Rita tinha 72 anos. Era uma mulher vaidosa, mas muito mal arrumada. Seu espírito era vazio como o de um prisioneiro. Ela morava sozinha num apartamento apertado, o qual dividia com sua geladeira, seu fogão, seu forno microondas, sua secadora e sua máquina de lavar roupas. Seu marido havia morrido há alguns anos. Seu filho se casou e nunca fora a visitar. Suas amigas foram para um asilo e ela não tinha com quem conversar. Ela estava completamente sozinha. Lúcio, Dora, Ketlen, Ademar e Lídia nunca existiram. Apenas para gelar, lavar, passar, secar e cozinhar. Rita os procurou pelo resto do dia, mas eles jamais iriam voltar. Naquela noite ela morreu e antes do fim percebeu que, na verdade, eles nunca estiveram lá.

Glaucio Viana
Enviado por Glaucio Viana em 19/01/2009
Reeditado em 19/01/2009
Código do texto: T1392718
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