Papel, lágrimas e lembranças
Entrou pela porta da frente, o que não era usual. Geralmente, por uma questão de conforto, optava pela entrada de serviço, de onde ia diretamente abrir a geladeira na busca por uma garrafa qualquer de refrigerante, invariavelmente bebida no gargalo.
Tateou duas ou três vezes a parede amarela antes de acender o interruptor que fez com que a luz da sala iluminasse o sofá, a pequena mesa de vidro e alguns poucos objetos que povoavam a estante de madeira.
Fixou o olhar no porta-retratos com a foto dela enquanto deixava o molho de chaves em cima de uma almofada qualquer e sentava no chão de cerâmica, apoiando-se na parede levemente texturizada.
Ainda não eram nem quatro da tarde.
Livrou-se da gravata sem desatá-la o nó que havia, há décadas, aprendido com o pai. Lembrou-se disso. E também da vitamina de abacate com sorvete de creme que o ‘velho’ preparava sempre que o levava para a escola.
Não sorriu nem chorou. Sabia que lembranças vadias e inoportunas às vezes tomavam seu pensamento como se pudessem fazê-lo mudar de idéia. Por anos achou que poderiam.
Desamarrou ambos os sapatos de couro preto. Primeiro – como sempre fazia – o que calçava o pé esquerdo e depois, com mais rapidez, o que incomodava o pé direito.
Quando enfim não vestia mais sua camisa de mínimas riscas azuis nem sua calça marinho comprada na última liquidação do Rio Sul, já apenas de cuecas e meias pretas, levantou-se lentamente em direção ao banheiro. No caminho, contornando o sofá, evitou o espelho para o qual parecia que convergia toda a luz do pequeno apartamento alugado em Ipanema.
Sentou-se finalmente no úmido banheiro de azulejos verdes, também sobre o chão frio, abaixo da linha da pia, de modo a não cruzar seus olhares com seu próprio reflexo.
Abriu, sem mesmo respirar mais fundo, o envelope do qual não se desgrudara um único minuto desde o laboratório. Dentro dele apenas uma finíssima folha que, dobrada, carregava - ele sabia - muito mais do que o resultado do exame.
Quando leu esperadas letras negras formarem ‘positivo’ na alvura do papel relaxou os ombros. E deixou que tudo escorregasse sobre seu corpo.
Entrou pela porta da frente, o que não era usual. Geralmente, por uma questão de conforto, optava pela entrada de serviço, de onde ia diretamente abrir a geladeira na busca por uma garrafa qualquer de refrigerante, invariavelmente bebida no gargalo.
Tateou duas ou três vezes a parede amarela antes de acender o interruptor que fez com que a luz da sala iluminasse o sofá, a pequena mesa de vidro e alguns poucos objetos que povoavam a estante de madeira.
Fixou o olhar no porta-retratos com a foto dela enquanto deixava o molho de chaves em cima de uma almofada qualquer e sentava no chão de cerâmica, apoiando-se na parede levemente texturizada.
Ainda não eram nem quatro da tarde.
Livrou-se da gravata sem desatá-la o nó que havia, há décadas, aprendido com o pai. Lembrou-se disso. E também da vitamina de abacate com sorvete de creme que o ‘velho’ preparava sempre que o levava para a escola.
Não sorriu nem chorou. Sabia que lembranças vadias e inoportunas às vezes tomavam seu pensamento como se pudessem fazê-lo mudar de idéia. Por anos achou que poderiam.
Desamarrou ambos os sapatos de couro preto. Primeiro – como sempre fazia – o que calçava o pé esquerdo e depois, com mais rapidez, o que incomodava o pé direito.
Quando enfim não vestia mais sua camisa de mínimas riscas azuis nem sua calça marinho comprada na última liquidação do Rio Sul, já apenas de cuecas e meias pretas, levantou-se lentamente em direção ao banheiro. No caminho, contornando o sofá, evitou o espelho para o qual parecia que convergia toda a luz do pequeno apartamento alugado em Ipanema.
Sentou-se finalmente no úmido banheiro de azulejos verdes, também sobre o chão frio, abaixo da linha da pia, de modo a não cruzar seus olhares com seu próprio reflexo.
Abriu, sem mesmo respirar mais fundo, o envelope do qual não se desgrudara um único minuto desde o laboratório. Dentro dele apenas uma finíssima folha que, dobrada, carregava - ele sabia - muito mais do que o resultado do exame.
Quando leu esperadas letras negras formarem ‘positivo’ na alvura do papel relaxou os ombros. E deixou que tudo escorregasse sobre seu corpo.