Quer Dançar Comigo? - Parte 1

Estava muito cansada naquele início de noite quando cheguei ao bar e avistei minhas amigas.
- Chegou quem estava faltando...Uhuuu! – ouvi Bella gritar, logo assim que entrei, lá do fundo do estabelecimento, acompanhada pelo coro de amigas desafinadas que eu tenho.
Além de freqüentar o mesmo bar, a gente mora no mesmo prédio e trabalha quase que juntas se não fossem os quarteirões e as poucas ruas a nos separar. Bella é psicóloga e trabalha em uma empresa de RH (o chefe dela é um gatinho!), divide o apartamento, no segundo andar, com sua irmã, Marisa - atriz e professora de teatro (seus namorados têm a mesma cara, tipo hippy?); Thaís é pedagoga e coordena o ensino da creche aqui na rua (É a única que namora firme há anos!...), mora no apartamento ao lado do meu; Gabi é enfermeira e atende no hospital do bairro (A mais romântica das cinco, e a mais exigente também.), mora no primeiro andar; e eu sou a Rita, sou jornalista, trabalho por conta própria – envio matérias para vários jornais e empresas da cidade, moro no quinto e último andar do prédio (Insegurança é a definição certa em todos os meus relacionamentos até hoje).
Sr. Greg, o dono fofinho e bonachão, sorriu pra mim quando passei por ele.
O “Prateleiro” é um barzinho aconchegante e bem animado, fica perto de onde a gente mora. Às vezes rola música ao vivo. Algum sobrinho ou amigo músico do Sr. Greg (Gregório, para os novatos!) vem animar as noites de sextas-feiras e sábados. Quando é aniversário de algum cliente fiel, ele também faz uma surpresa e contrata alguém para tocar a noite toda!
O Sr. Greg já nem liga mais quando a turminha se junta no fundo do bar aos risos e gritinhos escandalosos. A gente se nomeou as Boêmias do bairro, porém o Sr. Greg junto com outros amigos e vizinhos afirmam que nós somos as “Boas mias”, tentando fazer um trocadilho forçado ao nosso título (Eles passam longe de serem criativos, não?).
- Sabe que dia é hoje? Noite de balançar até cair!... – percebi logo de cara a enorme animação de Marisa ao me passar à notícia. Lembrei que era sexta-feira! Então, achei melhor dar uma sacada no ambiente antes de sentar, para garantir qualquer surpresa inconveniente que elas poderiam estar preparando para mim. E nesse aspecto, elas se superam!
“Tudo bem, nada suspeito”, respirei mais aliviada.
Ali, com minhas amigas, é fácil se divertir, falar besteiras e brincar com as coisas mais sérias da vida e depois, só depois, tentar resolve-las friamente. Após um dia exaustivo de trabalho, não há melhor hora na minha opinião. Naquela noite, porém, eu não estava em sintonia com nenhuma delas. Dava pra sentir um clima no ar de muita euforia simpática e alienada que não combinava em nada com o meu humor introspectivo e arrogante do momento. Minhas amigas sorriam de tudo e para todos! Até quando o Sr. Greg veio tirar o meu pedido elas caíram na gargalhada... Se não as conhecesse bem, acharia que entornaram litros de bebidas antes de chegar sem eu saber!
-Sr. Greg, até parece que depois desses anos todos o senhor ainda não saiba o que a Rita vai pedir? – Thais soltou a provocação aos risos e o que é pior, acompanhada das outras três.
- Sabe, o que eu queria mesmo agora? – lancei a pergunta para o Sr. Greg, porém desejava que despertasse alguma consciência em uma delas.
- Beijar na boca? - Respondeu-me Marisa tonta de rir. O Sr. Greg decidiu dar o fora dali e mandar qualquer coisa para ocupar as bocas tagarelas daquelas criaturas.
- Não! - Marisa não estava de todo errada, mas não era exatamente um beijo que me despertaria o ânimo naquela noite. - Não é isso, sua louca! Eu... – olhei em volta e suspirei. Soltaram mais risos por causa da minha reação. Aquilo me irritou profundamente. - Esquece! Isso aqui está muito chato, sabiam? Acho melhor eu ir para casa, tomar um banho e vejo vocês amanhã, ta legal?
Peguei minhas coisas e sai ainda ouvindo as reclamações e pedidos para que ficasse com elas.
- Hei, filha! – O Sr. Greg me gritou de trás do balcão. – Quer que eu mande entregar no seu apartamento? – sacudi a cabeça afirmativamente, embora ainda meio confusa com tudo ainda. Olhei de volta pra mesa onde estavam, e elas continuavam aos risos! Isso me deixou com plena certeza da decisão tomada. “Que absurdas!” Parecia uma tremenda provocação ao meu estado totalmente oposto ao delas. “Acho que é a magia da noite, depois de um dia inteiro de tragédias sucessivas, correntes, elas pouco conseguiam fugir ou desacelerar o ritmo frenético e cômico de suas vidas”. Nada mais que normal estarem loucas numa sexta-feira à noite. Mas, pra mim, não era o que eu estava a fim de fazer.
Na saída, esbarrei com o Álvaro.
- Já vai embora? É a noite dançante, Boa Mia!
- E daí...? - Ouvi da porta os risos e gritinhos das minhas amigas aos músicos que começavam a tocar.
- Opa, opa, opa!... Que humor é esse?...
Nem mesmo a possibilidade de um papo interessante com ele me fez retroceder da minha primeira idéia.
- Desculpa, Álvaro. Meu dia foi muito chato e acho que preciso descansar um pouco. - Estranho! Acho que ele não acreditou, ou não gostou mesmo talvez, porque se virou e saiu de perto de mim instantaneamente depois que terminei minha fala.
- Boa noite, então para você, Boa Mia! – Foi o que ouvi antes da porta bater atrás de mim.
Álvaro é nosso vizinho, gatinho e elegante. Um ótimo professor de geografia! Eu adoro conversar com ele sobre assuntos diversos. Nós dois podemos ficar horas no Greg, ou nos corredores do prédio, ou mesmo na esquina da rua depois de comprar o jornal e o pão, só conversando sobre a crise mundial da economia e suas implicações globais ou mesmo sobre o assunto mais banal em destaque no momento, sem perceber o tempo passar.
Na verdade, não apenas eu, mas todas as garotas do bairro, nutrem grande admiração pelo Álvaro. É o sonho ideal de consumo intangível de toda mulher! Homem lindo, solteiro, educado e inteligente, bem sucedido, todo saudável, divertido, independente... Nosso Deus!... Isso não é para qualquer uma! Eu e as minhas amigas, por exemplo, imaginamos o nosso amigo professor em várias aulas práticas que não são necessariamente de geografia...! E em todas as nossas conversas, é raro não constar o nome do vizinho lindo emendado de algum comentário provocante. Mulheres competem entre si por tudo, vocês nem imaginam! Por isso, criamos um pacto entre a gente: “Nenhuma de nós pode pegar qualquer vizinho ou amigo de qualidades e atributos comprovadamente unânimes entre nós”. Ou seja: “Ninguém pega o Álvaro!” Assim evitamos as brigas e rixas entre nós, independente do elo forte de amizade que existe. Se ele é unanimidade entre a gente, o melhor é tê-lo desse jeito: Como a figura platônica em nossas vidas.
Meu impulso, porém, foi correr atrás daquele exemplar humano único e viril, esquecer totalmente o pacto ridículo que impede de me jogar aos pés daquele “Deus-Grego” e convida-lo para uma dança desajeitada e abandonada de tudo em nossa volta...! “Que idiotice!...” Meus impulsos não encontram forças suficientes para se materializarem com repentina freqüência. Decidi mesmo subir a rua até meu apartamento e tornar reais meus planos tediosos da noite: Ducha, filmes e cama.