O PÁSSARO E O CRAVO

Como um adorno aos olhos inquisidores onde as dores são lástimas fingidas; como se os lamentos não passassem de desculpas para os vícios; como se os ideais fossem idéias amorfas que pouco valem perante a austera vigilância do próximo; como se as convicções fossem meros pensamento es-túpidos, não possuindo quilate para fazer frente às bijute-rias de tais inquisidores; como se todo o esforço fosse vão, pois perante o tribunal o suor é obrigação: julgam e conde-nam-me e então quero que tudo isto seja póstumo, pois perco a vontade de viver outro dia, transformando-me em derivado da erosão em mim causada. Sou híbrido da fracassada experi-ência de outrém, sou bizarro ser, antônimo aos parâmetros estipulados de beldade e honra que possibilita o homem sen-tar-se em sua mesa de jantar com dignidade... como um broto da poda de outono...

E cortam meus pés cortam, piso com os calcanha-res... e cortam meus calcanhares cortam, caminho de joe-lhos... e cortam minhas pernas cortam... uso os braços mas me algemam, então rastejo como uma serpente velha que pos-sui seu veneno escasso e vencido... e só assim então pos-so ver o sol e sentir o frescor da manhã.

deitei à pétala do cravo

e beija flor me seduziu,

pensei ser flor mas era cravo,

cravei os dentes em tal pássaro

que moribundo então indagou-me:

se se fosses flor o que serias

então óh carnívora espécie,

de flor, de cravo ou de pássaro?

e desengasgando uma pena o respondi

que de flor e de pássaro seria cravo

e que de cravo ou de flor... beija flor

mas no entanto minha mágoa de pássaro

longe voou pelos cravos de jovem onde agora

sou flor que não desabrocha... pássaro que não voa