O outro lado da morte


Primeiro veio a expressão de pânico. Havia algo de estranho. Ele ali, acostumado ao seu canto, sua vida, seu espaço. Não foi falta de aviso. Nosso corpo - todos sabemos - remete sinais. Talvez toda aquela sua impaciência, toda a sua inquietação... Talvez tudo aquilo tenha sido, na verdade, seu mais valioso sinal. Com ele não havia o porquê de ser diferente. Vale pra todos. O fato é que aquela invasão sorrateira, na calada da noite, à sorrelfa, despertou-lhe vontade de chorar. Não conseguiu. Ficou estático, como que mimético, esperando pelo pior. E o pior chegou. Agarraram-lhe pela cabeça. Duas enormes mãos. Pavor assim jamais sentira. As mãos a tocá-lo, a senti-lo, e ele ali, completamente à mercê do que lhe fizessem. Depois do pânico veio a dor. Não só a dor da pele, até então imaculada, mas uma dor de dentro, uma dor profunda, aguda, de algo que, sabia, deveria ser sua própria alma. Mais do que a si, aquilo tudo feria seu lugar, atingia tudo o que tinha de mais importante. Tentou lutar. Agarrou-se com a força que tinha aos seus instintos. Balançou-se o quanto pôde. As enormes mãos certamente iriam cumprir logo seu papel. Ele era arrastado, e para aonde não sabia. Indefeso diante da covardia pensou apenas no que pensar já que nada mais havia a ser feito. Em instantes estaria tudo terminado. Abruptamente. Tal qual começara, sem mais e sem menos, sem que ele sequer entendesse o porquê de tanta covardia. Então, finalmente, veio o fim. Levantaram-lhe pela cabeça e exibiram-no como troféu. Deram-lhe o nome de João