Um Lobisomem na São Silvestre

 Na Corrida de São Silvestre de 1986, o jovem maratonista Detinho liderava a prova até os últimos 800 metros. Ele estava apenas poucos metros à frente do segundo colocado, o equatoriano Rolando Veras. Detinho cansou, sentiu cãibras, seu ritmo diminuiu e logo foi ultrapassado pelo equatoriano e outros atletas que vieram em seguida. Rolando Veras venceu a prova e Detinho chegou em décimo lugar. Ficou envergonhado, sentiu-se humilhado. Não quis falar com ninguém. No ano seguinte, aproximando-se do dia da corrida, Detinho intensificou seu treinamento. Esforçava-se mais do que no ano anterior, pois não queria repetir o fiasco do final da última São Silvestre. Treinava com sol, com chuva, à noite, de madrugava, Detinho não parava. Uma semana antes da corrida, Detinho foi para São Paulo. Certo dia, treinando pela manhã no parque, ele cruzou com o equatoriano Rolando Veras, que também treinava. Detinho estremeceu, o medo da derrota tomou-lhe conta. Não conseguiu mais treinar. Voltou ao hotel. Passou o resto do dia angustiado e dormiu muito mal à noite. Não quis treinar na manhã seguinte. Resolveu fazer uma corrida leve no parque, tarde da noite, para não encontrar ninguém. A esta hora, o parque estava deserto. Era noite de lua cheia. Detinho corria com passadas tranquilas, para não perder o ritmo. Atravessando a parte mais densa no interior do parque, Detinho sentiu que estava sendo observado. Apressou suas passadas e ouviu um uivo; logo depois, um barulho de folhas secas e gravetos sendo pisados. Eram pisadas pesadas e rápidas, vindas do interior da mata. De repente um corpo cinza, peludo, surgiu de dentro da vegetação escura e pulou sobre ele, derrubando-o ao chão. Parecia um cachorro, mas era muito grande para ser um. O animal atacou novamente. Detinho, caído à margem da pista, pegou um  galho, que estava no chão, e conseguiu enfia-lo na boca do monstro, que tentava morde-lo. O terrível animal grunhiu, deixou-o no chão e entrou na mata engasgado com o galho em sua garganta. Detinho sofreu apenas alguns arranhões, causados pelas garras da fera. Ele saiu, do parque e retornou ao hotel, onde, cuidou dos ferimentos e foi dormir. Não saiu mais até a hora da corrida. Dia 31 de dezembro de 1987, chegada a hora da largada. A noite estava com céu nublado. Detinho posicionou-se. Largaria no pelotão de elite da prova. Foi dada a largada. Logo um grupo de seis corredores distanciou-se dos demais atletas. Detinho estava entre os seis primeiros. Durante a maior parte da corrida eles permaneceram juntos, revezando-se na liderança várias vezes.  Faltando 5 quilômetros para o final da prova, Detinho aumentou o ritmo de suas passadas. Assumiu a liderança da prova e distanciou-se do grupo. As nuvens movimentavam-se e alguns vazios apareceram no céu de São Paulo. A lua cheia surgiu num destes vazios: amarela, radiante. Detinho sem saber porque, olhava para ela. Apertou ainda mais o ritmo,e então começou a sentir algo estranho: sua pele ardia, via crescer pelos em seus braços, seu nariz doía e sua boca parecia esticar-se. Uma escuridão tomou conta da rua em que passava e as emissoras de televisão perderam o sinal  das imagens. Quando a luz  voltou, um grande animal peludo, surgiu, correndo pelas ruas,. Ele parou, uivou e avançou sobre os público que assistia à corrida. Ouviu-se um tiro. A fera assustou-se e correu para uma rua deserta. Os policiais o perseguiram, atirando na sua direção. O bicho conseguiu despista-los. A lua foi encoberta novamente e alguns minutos depois, um homem nu saiu de uma rua adiante. Era o Detinho, que retomou o trajeto  da prova. O público ria e gritava ao mesmo tempo: “Pega o peladão”. Os seguranças da prova o perseguiram. Detinho corria com uma mão na frente e a outra atrás. Acharam que era algum protesto. A lua reapareceu. Novamente houve um apagão. Detinho transformou-se na besta. Um grande cão ou lobo, ninguém conseguia identificar. O animal saiu novamente do trajeto da corrida, pegou outra rua vazia e consegui chegar ao parque onde Detinho fora atacado. Após o primeiro apagão e o sumiço do Detinho, as emissoras de televisão, depois de retornarem ao ar, voltaram suas atenções para o então líder Rolando Veras, que venceu a prova. Detinho amanheceu no parque, nu. Roubou as roupas de um bêbado, desmaiado num banco do parque. Voltou ao hotel e foi embora para casa. Em 1988 o desaparecimento misterioso de dois atletas durante a Corrida de São Silvestre fez        com que os organizadores passassem a prova para o período diurno à partir de 1989. Neste ano, Detinho foi à São Silvestre, mas ficou apenas como espectador.   Detinho abandonou o atletismo. Hoje trabalha num frigorífico em Goiânia e escreve poesias para aliviar a sua alma.