Momentos - A carta (Parte I)

O garoto estava em seu quarto. Ouvia assustado uma das discussões acaloradas de seus pais. Deitado em sua cama, chorava. Sabia que aquilo não duraria muito. Tinha certeza de que logo o casamento chegaria ao fim. Escutava murros de seu pai na porta do armário. E tentava a todo custo abafar os soluços de seu choro no travesseiro.

Ele tinha apenas dez anos, e se perguntava até quando duraria essa situação. Sua mãe chorava muito, e tentava se explicar de algo que o garoto não fazia idéia do que era. A irmã, assustada, berrava de pavor na sala. Mais nova do que ele, entendia menos ainda o que acontecia. Mas o rapaz sabia muito bem.

A porta do quarto de seus pais se abriu, num estrondo horroroso. O bate-boca entre eles se exaltava a cada instante. O menino espiava tudo pela fresta da porta. Sua irmã o preocupava, pois havia corrido para a casa dos vizinhos. O televisor ainda exibia um desenho animado que ele gostava muito, mas a discussão de seus pais, que repetiam frases ofensivas, se sobrepunha ao som do seu programa favorito.

De repente lembrou-se da carta, um dos motivos da briga de seus pais. Ele sabia onde estava: seu pai a havia escondido dentro do interruptor da sala de ferramentas. Sem que alguém percebesse, o menino correu para lá, e com uma chave de fenda tirou o espelho do interruptor. Releu a carta bem devagar.

Ela fora escrita por uma tal de Carolina, amante de seu pai. Via alí juras de amor, e promessas de uma vida perfeita. Tudo aquilo não era mais novidade para o garoto, mas mesmo assim o chocava. Não imaginava seu pai com outra mulher que não fosse sua mãe.

Um ruído de um copo a se quebrar rompeu o silêncio da leitura. A discussão chegava ao seu ponto culminante. O menino escondia a carta, prova da traição, no seu lugar. Entendia talvez mais que seus pais um dos motivos de tanto desentendimento. E se perguntava se conseguiria um dia ter um amor sem tantos problemas.

Começava aí uma história que longos capítulos teria. O garoto, tão indefeso, logo veria que a vida não é o que aparenta.