Momentos - O quarto (Parte II)

Era inverno, e chovia muito, como de costume. A mãe do garoto o levou junto para seu emprego. Ela trabalhava numa pequena facção, como costureira, que ficava na casa de seu patrão. Ele era casado, e tinha um casal de filhos. E era por isso que o menino acompanhava sua mãe quase todos os dias. Ele adorava a todos lá. Assim, não precisava ficar sozinho, e se sentia como em sua segunda casa. E, é claro, sempre que precisasse sua mãe estava por perto.

Naquele dia brincavam de esconde-esconde. Podia se esconder em qualquer lugar, mas haviam combinado que só não valia dentro de casa. Inclusive isso havia sido mais uma regra dos pais do que das crianças. E o garoto não concordava com ela.

Michele estava contando, até cem. Ele não pensou duas vezes e foi esconder-se dentro da casa. Entrou pela porta da cozinha, que dava direto para as portas de dois quartos. Havia muitos deles na casa, mas um em especial lhe chamou a atenção. Era o único com a porta entreaberta e a luz acesa.

Curioso como sempre, o garoto foi vagarosamente até a porta. Esticou o pescoço para poder ver sem ser visto o que acontecia lá dentro. E logo se arrependeu profundamente do que fez.

Lá dentro estavam sua mãe e o patrão, fazendo algo que ele, aos dez anos de idade, mal sabia o que era, mas tinha noção. Ele tentava relutar em não ver, mas parecia hipnotizado, chocado. Aquela cena o atormentava, e um amontoado de sentimentos embaralhados giravam freneticamente em sua mente.

A menina finalmente gritou "Cem!". Ele rapidamente tentou se esconder atrás da geladeira, ainda muito transtornado. Enquanto Michele procurava os colegas, o menino não conseguia entender. A imagem reprisava em sua cabeça de um modo que machucava.

Depois de algum tempo o expediente acabou. O garoto já desistira da brincadeira, inventando uma dor de cabeça, e ficara sentado o restante da tarde na calçada, riscando o chão com uma pequena pedra, tentando organizar tudo o que acontecia: a carta, o quarto...

De repente sua mãe o chama. Era hora de ir embora.

Ele não sabia como reagir. Não sabia se sentia raiva ou pena. Mas a seguiu, calado.

E decidiu nunca revelar o que vira naquela tarde. Mesmo sabendo que cometeria erros pela frente, o garoto tinha consciência de que grande parte das pessoas vê nos pequenos erros dos outros a melhor forma de enconder os seus grandes pecados.