O TIO E A GAROTA DE PROGRAMA

Meses atrás João havia sido aconselhado pelo médico a fazer caminhadas diárias para emagrecer e evitar as conseqüências do sobrepeso.A sua saúde estava regular, mas alguns resultados dos exames clínicos realizados estavam nos limites máximos.Nada que exercícios físicos e controle alimentar não resolvessem, lhe falara o médico.Executivo de uma empresa de médio porte, cinqüenta e cinco anos de idade, bem postado na vida empresarial e familiar ainda guardava vestígios de um corpo forte, ágil e musculoso formado nas lutas de boxe e nas provas de equitação dos tempos de juventude. Com aversão às academias de ginástica e esteiras resolveu que, no início de cada noite após o noticiário da TV, caminharia pelas ruas da cidade.E assim fazia todas as noites. Saía de casa escolhia uma direção e caminhava pelas ruas da bela Floripa escutando músicas com fones de ouvido.Ia em linha reta, durante uma hora e então pegava um ônibus, às vezes um táxi, e voltava pra casa.Para tanto levava sempre algum dinheiro no bolso.

Em uma dessas noites quando passava por uma rua freqüentada por garotas de programa, ouviu alguém lhe chamando:

-Espera um pouquinho por mim!

Parou e se aproximou dele uma moça.

-O que disseste? Perguntou João retirando os fones do ouvido.

-O tio não está a fim de fazer um programa comigo?

João olhou a jovem, tinha uns vinte e três anos de idade.A luz fraca da rua mostrava o tom claro de sua pele, cabelos ruivos e curtos, o rosto bonito sem nenhuma maquiagem. Ela vestia roupas simples e modernas que lhe caiam muito bem no corpo esguio, uma minissaia deixava à mostra suas pernas longas e perfeitas, os seios médios pareciam querer pular para fora do soutien.Exalava um perfume doce e agradável e passava uma imagem muito sensual e amistosa.

-Não!Não estou interessado! Respondeu secamente.

-O tio não faz mais essas coisas?Um homem bonito, forte e jovem e já se aposentou?

Falou a moça com ar debochado, mas suave.Um sorriso provocante mostrou seus dentes brancos e perfeitos.

-Não é isso! É que estou caminhando e todo suado.Disse ele com um leve sorriso.

-No motel tem chuveiro tio, nós dois podemos tomar um banho juntinhos.Vais gostar vou te fazer um monte de carinhos.

-Não! Fica pra outra vez!

Disse ele automaticamente e sem procurar outra desculpa.

-Eu sei o tio é grã-fino e não pega mulher de rua, né?

-Não é nada disso! Porque não vai dar! Explicou ele medindo suas palavras e cuidando para não magoá-la.Gostou do jeito dela, de sua espontaneidade e sua beleza era incontestável.Apossou-se dele uma simpatia, um carinho e se intereressou por ela:

-Como é o teu nome?

-Sandra

-Verdadeiro ou de guerra?

-Verdadeiro! Não tenho que esconder nada de ninguém.

-E o teu nome tio, como é? Perguntou ela de imediato.

-João!

-Legal! Agora não te chamo mais de tio.

-Sabe João eu estou na pior esta semana.No Verão os clientes vão todos para a praia, as ruas ficam desertas.Preciso arrumar dinheiro, estou sem nenhum até pra jantar.

-Que pena! Disse ele constrangido.

-Não tens ninguém pra te ajudar? Perguntou.

-Não, sou sozinha. Vim do interior e estou na vida há seis meses.

João ia retornar a caminhada quando se lembrou do dinheiro que trazia consigo no bolso da bermuda:

-Tenho trinta reais, pega são teus! Disse-lhe estendendo a mão.

-Trinta reais é quase o que cobro.Dá pra nós fazer um programa rapidinho.Não quero teu dinheiro de graça.Reagiu a moça.

-Sem programa! Te empresto o dinheiro, outro dia quando passar por aqui tu me devolves, combinado?

-Assim eu aceito! Te pago tudo na próxima semana.Falou a jovem.

João lhe entregou o dinheiro e ela puxou-o pelo braço e beijou seu rosto.

-Muito obrigada! Ela falou mostrando novamente seu belo sorriso.

-Vai aparecer, ainda hoje, um cara cheio da grana para fazer um programa contigo.És bonita, boa gente e mereces uma boa sorte!

Disse João à moça para animá-la, embora não acreditasse muito no que falava.

-Deus te ouça!Tu és um cara legal! Respondeu ela apertando fortemente sua mão.

João se despediu e continuou sua caminhada. Ia com seus pensamentos.Conhecia alguma coisa sobre essas moças, sabia de seus medos, de seus problemas, de seus sonhos e de suas vidas.Lembrou de seu tempo de soldado e de estudante de administração de empresas em Porto Alegre. Muitas delas frequentaram seu apartamento na rua Getulio Vargas.Aprendera a tratá-las com carinho e consideração e num sorriso maroto falou pra si mesmo:

-Se fosse naquele tempo ela teria casa e comida de graça por uns quinze dias!

Ao chegar em casa e se preparando para o chuveiro, num gesto casual, levou a mão ao rosto e sentiu o perfume doce e agradável que a moça lhe havia deixado.

João continuou suas caminhadas e muitas vezes passou por aquela rua.Uma vez, por curiosidade, procurou por ela e indagou a outra garota, que respondeu:

-Faz tempo que ela não aparece mais.Ou voltou para o interior ou então aconteceu alguma coisa grave.

João prosseguia se exercitando e emagrecera o suficiente, tratava agora de manter o peso.Já se passara um ano daquele encontro.

Um domingo foi com a mulher e um casal amigo almoçar no Balneário de São Miguel, perto de Floripa.Após o almoço, um bufê de frutos do mar, a esposa saiu com o casal para passear num trapiche em frente ao restaurante e ele ficou sozinho tomando um cafezinho.Pensava chegar em casa tirar uma soneca e depois ir ao estádio ver o Figueirense jogar.Já havia pagado a conta e ficara ali sentado, quieto, esperando os outros voltarem.De repente alguém chega por trás e coloca as mãos em seus olhos e faz a célebre pergunta:

-Adivinha quem é?

João sentiu uma mão quente e macia em seus olhos, a voz suave de uma mulher lhe falando nos ouvidos e um perfume doce e agradável lhe invadindo o olfato.Ele reconheceu o perfume e antes que dissesse alguma coisa ela retirou a mão do rosto e lhe falou:

-Sou eu Sandra!

Ele viu na sua frente a moça do encontro, elegantemente vestida, uma sandália tipo plataforma lhe acentuava o corpo esguio e sensual.Transmitia um ar de alegria e felicidade.

-Tudo bem? Que bom ter ver assim radiante!Falou João lhe retribuindo o abraço e os beijos no rosto.

-Bom foi te rever! Precisava te agradecer.Ela respondeu alegremente.

-Ué, pelo que sei não tens nada pra me agradecer.

-Tenho sim.Sabes que aquela noite que nos encontramos, logo que saíste conheci Manoel e nos juntamos.Nos damos muito bem! Ele é comerciante.

E apontou pra um homem de uns trinta e cinco anos que no momento estava no caixa pagando a conta.O homem olhou e lhe cumprimentou efusivamente.João retribuiu o cumprimento.

Ela então abriu a bolsa e da carteira de couro retirou três notas de dez reais e lhe entregou:

-Obrigada, naquele dia me tiraste do sufoco! E sorriu deliciosamente.

-Não precisa devolver nada. Falou João.

-Precisa sim, te prometi! E promessa é dívida.Agora, graças a Deus estou bem e feliz!

-Estou vendo! Eu fico feliz, também! Respondeu ele.

Mais uma vez se beijaram no rosto e, rapidamente, ela foi ao encontro do marido que lhe esperava na porta.Abraçaram-se e com abanos de mão se despediram.João acompanhou com olhar eles se deslocarem, de mãos dadas, até o estacionamento.Ainda viu ela abanar quando o carro dobrou a rua.

O pessoal havia voltado do trapiche e a mulher de João perguntou:

-O que fazes com este dinheiro na mão,já pagamos a conta?

-É pra lembrar de botar gasolina no carro! Desconversou.

Então foram embora, João se sentia feliz, com uma estranha sensação de ter cumprido uma missão e era um daqueles dias que tinha certeza que na vida tudo dá certo.

HAMILTON SANTOS
Enviado por HAMILTON SANTOS em 03/04/2009
Reeditado em 22/04/2009
Código do texto: T1521531