DE NINGUÉM MAIS

Era maio do distante ano de 1981, eu mal havia completado seis anos de idade, como o tempo passou rápido. Aquela era uma época diferente, simples, é uma pena que eu não tivesse a capacidade de refletir sobre essa questão na ocasião.

Nessa idade, nossas preocupações são tão diferentes das que experimentamos quando adultos, apenas as coisas que realmente nos marcam ficarão gravadas para sempre em nossa memória.

Naquele dia, um problema em especial rondava a minha cabeça. Eu estava no jardim de infância, e por falar nisso, eu me lembro muito bem do fato de detestar aquele uniforme quadriculado, com um compartimento na frente, o qual lembrava, e muito, uma bolsa de canguru, mas, voltemos ao problema.

Uma grande festa estava para ser realizada na escola, até mesmo este tipo de evento é bastante diferente nos dias de hoje, tomo como base os que se realizam no colégio dos meus filhos. Então, uma grande comemoração estava sendo preparada, e um incômodo muito grande tomava conta do meu coração.

As mães teriam uma grande recepção, as festividades por conta do seu dia monopolizavam as atenções dos professores do jardim e também dos alunos menores. No entanto, eu não compartilhava desse mesmo entusiasmo, e isso acontecia por uma motivo muito claro para mim, minha mãe, aquela que normalmente é a razão de vida para qualquer filho nesta idade, não poderia comparecer à festa, e a razão para isso me consumia por completo, ela estaria muito ocupada no hospital, pois na véspera da festa, teria a missão de trazer minha irmã ao mundo.

Podem imaginar o que se passa na cabeça de uma criança nesta situação? A certeza de que eu não teria mais importância na vida de minha mãe era absoluta em mim. Como ela poderia fazer isso comigo? Não comparecer à festa que fora preparada com todo cuidado e zelo especialmente para ela? Eu imaginava que era uma crueldade sem tamanho, tudo isso por quê? Pelo simples fato dela ter que dar a luz.

Pois bem, o dia da festa chegou, cenário armado, guloseimas dispostas, presentes enfeitados para as mães, mas, a minha estava no hospital com a minha nova irmã. A tarefa de representá-la coube a uma tia, vejam, não que eu desgostasse dela, na verdade, até hoje ela é a minha predileta. Mas, vocês devem me entender não é? Mãe é mãe, não existe substituta para essa função.

Ao contrário do que possa parecer, eu até que não estava me comportando mal não. Eu procurei aproveitar a festa da melhor maneira possível, brinquei com os meus amigos, me esbaldei com os quitutes, participei dos jogos e brincadeiras. Mas, por mais que eu tentasse esquecer as inquietações que me consumiam, toda vez que os meus olhos se deparavam com a mãe de algum colega, naqueles gestos e tratamentos que são tão perceptíveis nessa relação, o meu coração se enchia com uma tristeza sem tamanho, eu não consigo retratá-la através de palavras.

O ápice dessa tristeza culminou no instante em que a professora me chamou, na frente de todos, para que eu pudesse entregar o presente para a minha “mãe”. Nesse momento, tudo o que eu havia suportado com muito esforço desmoronou de uma só vez, não consegui conter as lágrimas que desceram em profusão, a ironia era que todos achavam que eu estava emocionado pela ocasião.

Minha tia, claro, tentou de todas as formas consolar o inconsolável, mas não havia a menor possibilidade de permanecer na comemoração.

A muito contragosto, pois não queria ver mais ninguém, fui obrigado a me despedir da professora.

Tomamos o caminho de volta para casa, atravessamos o pátio da escola, nunca aqueles duzentos metros foram tão longos, descemos a escadaria que dava acesso à rua e cruzamos os portões. Ao invés de encontrar o vai e vem frenético de pessoas e carros, meus olhos me transportaram em uma viagem até a mais brusca mudança de estado de espírito que jamais voltei a experimentar em minha vida.

Ali parada, dentro daquele automóvel, estava ela. Não contive o ímpeto e corri ao seu encontro, as lágrimas que escorriam não eram mais de tristeza, meu coração quase pulou pela boca ao sentir o seu abraço. Mesmo sem entender completamente o tamanho do esforço que fizera para estar ali, devido às dores, aos pontos e tudo mais, eu tive a plena certeza, a mais profunda convicção de uma coisa que carrego até hoje, mesmo que o céu desabe, a terra se abra ou o oceano transborde, mesmo que tudo isso aconteça, eu sempre serei importante para a minha mãe.

Envolto pelo segurança de seus braços, até me atrevi a desviar os olhos em direção à minha pequena irmã, sem dizer uma palavra, eu desejava que através dos meus pensamentos, ela pudesse ficar tranqüila, pois sempre haveria espaço para todos nós.

Então cresci, e hoje vejo o que acontece em minha casa. Minha esposa é daquelas que tem o sono bastante pesado, é difícil fazer com que ela desperte facilmente, mas, basta apenas que um dos meus filhos emita um suspiro diferente, para que ela salte imediatamente, como se estivesse preparada para uma guerra.

Você que está lendo essas palavras deve entender o que quero dizer, coisas de mãe.

Réplica dos meus amigos:

Maith

http://www.recantodasletras.com.br/contoscotidianos/1526374

Álvaro Luís

http://www.recantodasletras.com.br/humor/1527290

Josadarck

Suzana Barbi

http://www.recantodasletras.com.br/cronicas/1528828

Isak Damasio

http://www.recantodasletras.com.br/contoscotidianos/1535857

Flávio de Souza
Enviado por Flávio de Souza em 07/04/2009
Reeditado em 22/03/2010
Código do texto: T1526892
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