Momentos - A praia (Parte V)

Aceitar a nova rotina sem seu pai foi fácil para o garoto. As coisas estavam mais tranqüilas sem as constantes brigas, e tudo caminhava para uma vida mais leve. Nem tanto.

Já era noite quando o patrão de sua mãe bateu à porta. Coversaram um pouco, até decidirem aproveitar a noite quente de verão para passearem todos na praia. Uma certa afeição foi crescendo entre eles, e o menino adorava isso.

Caminhando descalços pela areia, sua mãe ia sob o abraço do patrão. Ele era muito carinhoso com ela e os filhos dela, e assim se davam muito bem. A irmã gargalhava enquanto fugia das ondas. O rapaz entrou na brincadeira, e corria atrás dela, feliz. Sua mãe e o amante ficavam para trás. Já não importavam tanto. Vislumbrava alí a possibilidade de ter a família dos seus sonhos.

Por fim, chegaram à casa da amiga de sua mãe. Ela era bem mais velha, mas tentava parecer sempre o contrário. Mesmo assim o garoto a adorava. Era ela quem cuidava deles enquanto sua mãe dizia ir trabalhar, enquanto o menino sabia muito bem que o que ela fazia era encontrar-se com o patrão. Algo que irritava muito o menino era a imagem puritana que sua mãe tentava passar à todos. E ele fingia que acreditava nisso.

Uma das vantagens das cidades pequenas é a possibilidade de ser ir a qualquer lugar caminhando. E assim foram todos ao centro da cidade, pois sua mãe e a amiga precisavam comprar algumas coisas. Como era verão o comércio fechava mais tarde, e tudo ficava mais agradável à noite.

Porém essa sensação logo cessaria. Ao passarem pelo túnel de acesso ao centro, foram todos surpreendidos. Detrás de um poste de luz saiu Lúcia, esposa do patrão de sua mãe. Foi tudo muito rápido. Lúcia agarrou sua mãe pelos cabelos, e se estapearam e rolaram no gramado em meio a chingamentos horríveis. A amiga e o patrão tentavam apartar, mas estava difícil. A irmã correu chorando para o garoto, que estava chocado com a cena. Abraçados, assistiam todo o horror das brigas voltar à tona. O amantes de sua mãe, antes tão calmo e carinhoso, agarrava bruscamente sua esposa pelos braços, e berrava feroz.

Com certo tempo, que pareceu eterno, a noite se desfez. Sua mãe e Lúcia não se feriram, mas certamente suas almas estavam sangrando. A fé do garoto em uma vida melhor havia ruído. Sabia e compreendia tudo o que ocorria, e talvez exatamente por isso que estava mais confuso. E a confusão na vida de todos ainda não lhe parecia algo comum. A vida de todos ainda era e sempre seria totalmente imcompreensível.