Momentos - O Beijo (Parte VI)

Ah, quem dera este título se referisse ao primeiro beijo do garoto! Mas isso ainda demoraria a acontecer, e ele tinha noção disso.

Alguns meses haviam se passado desde o incidente no túnel. O patrão decidiu por valorizar mais seu casamento, e por isso não tinha mais nada com a mãe do menino. A vida transcorria bem melhor para todos.

O rapaz tinha alguns colegas na escola, mas nenhum que pudesse chamar de amigo. Estudava muito e descobria aos poucos ser diferente de muitos com quem convivia. Adorava escrever, ouvir músicas instrumentais e outras coisas que o distanciavam do comum para a sua idade. Por dentro também notava mudanças, mas com algumas relutava; achava não ser certo. Enfim, ainda era cedo para haver discernimento suficiente. E a fase da pré-adolescência, onde estamos perdendo a inocência e formando o caráter, é confusa e obscura. Nada de muito profundo temos como respostas, e sim somente vagas perguntas.

Foi num dia de sol que sua mãe levou seus filhos para um bairro mais afastado da cidade. Ele não se lembrava de ter estado lá antes, e mal sabia que seria futuramente seu lar por um bom tempo.

Pararam na casa de um amigo de sua mãe. Era bem simples, com poucos cômodos e muito diferente da casa que tinham. Lá conversaram um pouco, enquanto o garoto observava as crianças brincando na rua sem saída. Havia muitas delas, o que não existia perto da sua casa. Sentia pena de si mesmo por não se enturmar com facilidade. Na certa pensava que zombariam dele como faziam na escola. E era por isso que já se acostumava ao fato de sentar sozinho no banco do pátio aos recreios. Ainda não sabia que isso mudaria também.

A mãe pede com que ele vá ao mercadinho da esquina comprar algumas coisas para o café da tarde. E ele vai, tranquilamente. Contudo tal tranquilidade duraria pouco.

Assim que voltou à casa, tomou um susto. Sua mãe estava beijando o amigo. Ele ficou alí, parado, sem reação. Uma onda de medo dominou o seu peito. Logo notaram sua presença, e se afastaram. Sua mãe sorriu, e perguntou se havia algo de arrado em ela ter um namorado. Ele respondeu que não, mas havia. Pelo menos gostaria de ter sido avisado.

Mais uma vez sua cabeça girava. Mais um homem cujo nome começava com a letra "V".

"V" de vergonha. "V" de visco. "V" de vítima.

Vítima de uma vida que não escolher para viver. Vida varrida por várias mudanças. Mudanças que num futuro vindouro trariam vitórias. Vitorioso por ver esperança nos vacilos; por encontrar um vasto viço num pequeno verso: Viva e deixe viver.