Como é que se diz eu te amo

O barzinho. A escuridão salpicada de luzes azuis e rubras, de fumaça, de mesas de sinuca, de gente falando e conversando, de uns reflexos amarelos de cerveja, de latinhas, de mil e uma cores do arco-íris escondido. Mas pobres dos meus olhos, que tal espetáculo só puderam apreciar de soslaio, através de um mero relance, por uma ínfima porcentagem dos neurônios: pois eu mergulhava no mistério dos olhos azuis de Fernanda, defronte aos meus. Terrivelmente dentro dos meus, me quimerizando totalmente. E aquelas pequenas proporções, que podia apenas sentir vibrar, como uma harpa, como um vento polar... Medo e ansiedade e mais, bem mais coisas que estão circunscritas no coração de uma mulher. Nem mesmo o som do alto rock’n’roll podia me desconcertar naquele momento tirânico. Todas as outras coisas começaram a ficar mais baixas, luzes apagando-se uma a uma, pessoas evaporando como chuvas de poeira, e aquele banco cada vez mais sólido na minha frente, um trono de Nero, e Fernanda, e Fernanda... Seus enormes olhos azuis, sua boca ávida, artificialmente rosada, e os loiros cabelos estáticos, a espera de algo desconhecido (por mim), os seios a quererem abrir-se em flores, o vestido verde, tal qual caule magnético, os pequenos brincos de pérolas, acho que não verdadeiras, e eu pensando em escrever tudo isso mas na verdade parado e burro perto dela – e agora? -, com a cabeça borbulhando como seu copo de cerveja, ela leva o cigarro à boca – me lembro agora perfeitamente – tempo e espaço fragmentados – e assopra languidamente, frugalmente, mexe a cabeça – finalmente – e os lábios, dizendo: “Então, você me ama... Ou não?” O barzinho, a música, as pessoas, os tacos e as bolas de sinuca, a órbita mundial, tudo volta ao normal, as luzes azuis e vermelhas, brilhos, texturas, formas. Platão e seus cinco sentidos, penso em metodologia, que me leva a algum artigo da faculdade, “você me ama?” eu poderia beijá-la sem nada responder, é uma bela escapatória, quem sou eu pra dizer que amo alguém, eu que não amo ninguém. Eu que sinto coisas engraçadas, bem, Fernanda, suas partículas de estrógeno voando na direção da minha narina, inflamando-me por dentro, querem forçar-me a dizer que sim ou alguma burrice comprometedora pro resto da vida, psicologicamente difícil, esquivo ou não, estou calado de novo, eu me lembro de Shakespeare, o amor, o álcool, o sexo, coisas assim, não me suporto dentro das minhas calças, tenho pensamentos malvados e risonhos, diabólicos, mas preciso externalizá-los é agora, ou não, ou vai, ou racha, ela me olhando, aquela boquinha, ela pulando em cima de mim, vamo embora ai ai ai foda-se

- Não. Mas eu quero muito te comer hoje, e amanhã, e até quando der. Se rolar daqui a pouco mesmo, no meu carro, safada

O que ela respondeu, vermelha, desestruturada, entre sorrisos, mordendo lábios de sangue quente, o rock’n’roll abafou, os tacos e os buracos de sinuca concordaram, a fumaça escondeu, a cerveja afogou nos seus tim-tins noite a fora, mas tudo sucedeu posteriormente como planejado.