O TRIÂNGULO DE ISCARIOTES

Conheceram-se no lançamento de um livro que ele acabara de publicar. Ela, um encanto: rosto redondo, olhos de menina sapeca, sorriso tímido, grávida do seu terceiro filho, casada... Levada àquele evento por uma amiga de ambos. Foi encantamento à primeira vista. Ele entregou-lhe um livro com a dedicatória: “À grávida mais encantadora dos últimos tempos”. Olharam-se por alguns segundos, que se tornaram eternos.

O tempo passou. Cada um seguiu normalmente a sua vida. Ela teve o bebê, um menino lindo, feito a mãe.

Quis o destino que os dois se encontrassem novamente. Dessa vez só ele e ela, que estava mais linda que no último encontro. Parecia um anjo!

Coincidência? Não!... obra do destino.

Daí por diante passaram a ser vistos sempre juntos. Certa vez ela apresentou-lhe o esposo. Ele evitava olhá-lo. Medo de trair-se. Receio de demonstrar que estava com ciúmes. O marido, mostrando simpatia, convidou-o a tomar um cafezinho qualquer dia desses em sua casa. Ele aceitou. Conversaram pouco. Despediram-se.

As reuniões entre os três passaram a ser freqüentes e a cada encontro, o encantamento por ela aumentava. Aumentava, também, a afinidade para com seu rival, o esposo, o “intruso”.

Eram raros os encontros a sós. Até que um dia ele escreveu alguns versos e, sem que ninguém notasse, entregou a ela... Passaram a trocar poemas. Ele, mais comedido; ela, mais apaixonada...

Passaram a se encontrar às escondidas. Eram encontros pré-adolescentes, nos quais somente as mãos se tocavam. Era recíproco o respeito que um tinha para com outro... Era recíproca a atração entre ambos... Era iminente a “traição”...

A amizade entre ele e o marido dela começava a ser desenhada. Encontravam-se constantemente. Passavam horas a fio conversando sobre literatura, contando piadas, tomando cafezinhos. Ela sempre por perto, atenta a tudo que ele falava; atenta a tudo que ele fazia.

Os encontros entre ele e ela tornaram-se mais freqüentes, mais ousados, mais ardentes... Agora tocavam-se, abraçavam-se, beijavam-se, trocavam carícias. Tudo por conta de um beijo que ela roubara-lhe certa vez, quando adolescentemente conversavam.

Após os beijos, os abraços, os afagos, ele não mais tinha coragem de fitar os olhos do novo “amigo”, o rival, que, sem nada desconfiar, perguntava à esposa porque ele havia sumido. No entanto, ao fitar os dela, cada vez mais sentia-se encantado.

O inevitável aconteceu: num desses ardentes e adultos (ou seriam adúlteros?) encontros, eles não resistiram. Tocaram-se, abraçaram-se, beijaram-se, AMARAM-SE... Amaram-se sem receios, com desejo, sem pudor, sedentos de amor.

Quando estavam juntos, em mais nada ele pensava, a não ser naquele inebriante momento. Porém, ao separarem-se, sua consciência doía e censurava-o, pois era muito bem acolhido pelo amigo sempre que se encontravam, e ele estava retribuindo esse acolhimento com um “tapa na cara”. Sentia-se um verdadeiro Iscariotes.

Bastava um novo encontro com a sua cúmplice, com a sua amada, com a sua paixão, para que tudo aquilo que sentia com relação ao amigo-rival caísse no esquecimento e reacendesse-lhe o desejo de tocá-la, abraçá-la, beijá-la, enfim, amá-la.

Os encontros passaram de esporádicos a diários; os beijos, de raros a constantes; a intimidade, de tímida a despudorada; o relacionamento entre os três, de amistoso a perigoso; mas, ainda assim, desejavam-se, abraçavam-se, beijavam-se, amavam-se...

À proporção que a intimidade entre os dois intensificava-se, os poemas, de ambos os lados, fluíam. Até que um dia o “complexo de Iscariotes” apossou-se do coração dele e a razão passou a falar mais alto que a emoção. Que infelicidade!... Era o começo do fim.

Após uma inesquecível noite de amor ele disse-lhe que não mais estava suportando aquela situação. Disse-lhe que seria melhor para os três o fim daquele relacionamento. Ela nada contestou, apenas olhava-o como se querendo chamá-lo de “covarde”, e assim permaneceu por um bom tempo: olhando-o nos olhos e acariciando seu corpo com as pontas dos dedos.

Sim!... Ele estava sendo covarde. Covarde para com eles dois, os amantes. Covarde para com o “amigo”, que sempre lhe depositara confiança.

Destemida mesmo foi ela, que, ao ser perguntada pelo esposo o que teria acontecido com amigo (da onça), explicou-lhe o motivo do desaparecimento do “traidor”. Contou-lhe tudo, detalhe por detalhe, sem temer as conseqüências.

O que realmente aconteceu naquele dia, naquela casa, não se sabe. Sabe-se apenas que o casal mudou-se da cidade; que ela levou, escondidos na sua bagagem, alguns poemas como prova viva daquele relacionamento que tanta felicidade lhe proporcionara, felicidade até então inabalável, “indestrutível”, inacabável... Sabe-se que ela, em seu coração, carrega a certeza de que, enquanto juntos estiveram, foi amada como nunca fora. Sabe-se, também, que a vida daquele escritor nunca mais foi a mesma desde que sua amada foi-se embora, pois aquela avidez que sempre provocava-lhe embaraços – dizem – desaparecera.

Ele nunca disse a ninguém o que por ela sentia, mas a distância cochicha-lhe aos ouvidos que o que sente é mais forte que o amor, é idolatria; que a angústia que sufoca seu peito é mais que saudade, é paixão; que o hiato entre o antes e o depois daquele primeiro encontro é muito mais que uma lacuna preenchida por momentos de prazer, é o início e o meio de uma história de amor ainda não definida.

Joésio Menezes
Enviado por Joésio Menezes em 14/04/2009
Código do texto: T1538902
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