Sombra e o primeiro Adeus.../com áudio

Seu pai o havia chamado, para que, munido de uma toalha, coçasse-lhe as pernas que o incomodavam sobremaneira; acometidas que estavam por uma coceira infernal, sequela de uma hepatite -doença oportunista- que se estabelecera por causa da fraqueza geral do organismo, atingido há algum tempo por um câncer devastador.

Sombra acabara de se graduar no primário, em meio a uma hecatombe que se anunciava na vida de sua mãe, na vida de seus irmãos e, especialmente, na sua própria vida. Naqueles tormentosos dias ele entraria em contato com o medo mais profundo do ser humano: O medo da morte!

Atendendo ao pedido de seu pai, coçava-o, enquanto observava a maldita doença destruir aquele corpo, outrora cheio de vida, cheio de carne, cheio de sonhos, agora reduzido a pele, osso e um medo terrível que ele tentava esconder de todas as formas...

Inesperadamente, chegou uma visita. Era Dona Guiomar, grande amiga de seu pai, que viera visitá-lo. Pego de surpresa, sem tempo de se preparar para controlar as suas emoções, Sombra assistiu pela primeira vez, todo aquele orgulho que sustentava um corpo já destruído, virar pó... Ouviu em seguida um choro alto saído das entranhas de seu pai, acompanhado de uma frase que refletia, com grande intensidade, o desespero e o medo que habitavam sua alma naquele momento: "Minha amiga, esse é o começo do fim!" Essa frase, acoplada àquele choro quase convulsivo, entraram furiosamente na alma de Sombra, rasgando-a em seu interior e levando-a para longe de seu próprio corpo por um tempo, que poderia ter sido fatal, não fosse uma descarga estupenda de adrenalina, fazendo-o fugir -correndo feito um louco- daquela situação que se tornara para ele, impossível de ser assistida.

Para um garoto de dez anos, presenciar o herói de sua vida desmoronar na sua frente, expondo a impotência e a fraqueza que se apossa de nós -seres humanos- perante a morte, trouxe à Sombra uma nova dimensão da natureza humana; trouxe à Sombra, precocemente, a profunda compreensão da fraqueza, do desespero, do abandono e da solidão que, somos obrigados a viver, quando a morte se aproxima de nós ou daqueles que amamos...

Aimberê Engel Macedo
Enviado por Aimberê Engel Macedo em 26/04/2009
Reeditado em 26/04/2009
Código do texto: T1560600
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