O HOMEM, A CIDADE, OS LIVROS

O homem parou abruptamente. Naquela esquina havia uma livraria, as vitrines amplas, os livros empilhados, as poesias, contos, romances, as crônicas escondendo-se e revelando-se atrás das capas coloridas. O homem não lembrava o nome direito, a memória falha, os óculos de aros finos perscrutando o ambiente: a praça continuava a mesma naquela manhã de sábado, um pouco deserta. A livraria tinha um nome relacionado com o antigo Egito, com os pergaminhos, parecia-lhe.

as sombras das grandes árvores espalhavam-se pela calçada. A cidade movia-se lentamente, as pessoas poucas e preguiçosas pareciam caminhar lentamente pela rua. Curioso, pensou o homem: Porto Alegre nunca perdera aquele ambiente interiorano, aquele perfume de cidade pequena esmagada, sufocada pelos grandes prédios do centro, refrigerada pela proximidade do (rio-lago-estuário?) Guaíba.

As amplas vitrines da esquina estavam nuas. Não mais havia livros, cores, papéis. A rua inteira pareceu-lhe despida de vida, despida de emoções: não mais havia livros e sua memória falhava, o nome da antiga livraria fugia-lhe. Pergaminhos, hieróglifos, códigos diversos embaralhavam-se em sua mente confusa.

Lentamente, o homem retomou sua caminhada matinal, consciente que não só o seu cérebro mostrava sinais de cansaço: a cidade também. Não mais havia livros, e a cidade perdia um pouco de sua memória. Em pouco tempo, ninguém mais lembraria que ali, naquela esquina, atrás das grandes vitrines, as crianças amontoavam-se enquanto os contadores de histórias contavam e representavam textos, poesias, fantasias. Ninguém mais lembraria os homens e mulheres atrás de autógrafos, os autores indo e vindo, os livros perambulando, saltando das prateleiras para as sacolas, saltando das prateleiras para os leitores de orelhas de livros, que os devolveriam às prateleiras, de onde sairiam para iluminar o mundo.

O homem caminhava lentamente. Não mais havia livros e sua memória falhava.