SENTENÇA CAPITAL

Baseado em uma história real.

No pequeno consultório, após os costumeiros diálogos iniciais de boas vindas, é feita a entrega dos exames previamente solicitados pelo médico. À medida que vai lendo o laudo dos exames, a fisionomia do médico vai adquirindo uma expressão mais austera. Joana, a trêmula esposa de Setembrino, olha de soslaio para o marido, já prevendo que a conversa que adviria não seria a desejada. Sente que tem de ser forte, apesar da enorme vontade de cair em prantos. Ela adorava Setembrino.

O médico, após ter criado um clima de suspense, e com uma cara que não parecia em nada com Madre Tereza de Calcutá, comunica:

— Era o que eu temia. O senhor está portando uma bomba relógio interna, sem hora marcada para a detonação. Caso ocorra a explosão, não haverá chances de o senhor chegar até uma unidade hospitalar. São dois aneurismas abdominais: um na artéria ilíaca e outro na artéria aorta.

Rápidas gotículas de suor apareceram na testa do involuntário homem-bomba. Sim, foi desta forma que nosso enfermo sentenciado sentiu-se. Um terrorista sem os direitos assegurados a qualquer fundamentalista de meia-tigela. Nequinha de pitibiriba de breakfast com São Pedro, virgens famélicas por sexo no paraíso, Rolls-Royce na garagem celestial etc. Era explodir, sem chances mínimas de sobrevivência, deixar uma bela viúva cheia de dívidas, e partir para o temível desconhecido.

Ao pensar nisso, Setembrino, transfigurou-se. Parecia um daqueles caubóis mal-encarados que acabaram de sair de um zonão barra-pesada, sem poder ouvir Boate Azul, de Bruno e Marrone, e tomar a saidera. Mantinha os dentes cerrados. Antes de fixar duramente os olhos sobre o médico, alisou seus grossos bigodes. O médico ao ser encarado, sentiu uma ligeira sensação de desconforto e viu-se na obrigação de tirar rapidamente os olhos de cima das grossas coxas de Dona Joana. Porém, na realidade, Setembrino, estava fazendo uma rápida reflexão. Ele acabara de sentir-se parte integrante de uma frase do nosso amado presidente que, numa entrevista aos jornalistas, causou frisson aos mais pudicos da nação. Aliás, uma curta expressão que o médico desta história provavelmente não leu ou ouviu. Segundo Lula, jamais um médico iria chegar para o paciente e dizer:

— Ô meu! Quer saber? “Sifu”!

Com esta sensação, e para dirimir eventuais dúvidas, Setembrino, com cara de time que está partindo inexoravelmente para uma segunda divisão, perguntou ao médico:

— Doutor, seja sincero, pode falar. “Tôfu”, né?

O médico, suspirando aliviado e com a bola retomada, fez de conta que não ouviu e preferiu bater papo com Dona Joana, que, aliás, era um verdadeiro pitéu.

Setembrino, enxugou o abundante suor, afrouxou a gravata, deu uma levantada na coxa direita, ajeitou o saco e mesmo sem pipocas, deixou rolar um rápido filme pela sua cabeça. O tempo de aluno-interno em colégios religiosos. As orações, os catecismos, as ameaças de ir para o inferno devido aos maus pensamentos e os pecados consigo mesmo. Pensou na Confissão. Teria que procurar um padre antes do estouro da maldita bomba. Contaria tudo ao confessor. Sentiu-se mais aliviado com a possibilidade da remissão. Por mais que tivesse de se abster dos chopinhos, do cigarro e das revistinhas de sacanagem, o céu deveria ser melhor que o inferno. Concordou consigo mesmo, movendo lentamente a cabeça de cima para baixo. Sua esposa observando-o concordar com sei lá o quê, parou a conversa com o médico sentenciador e quis saber o que estava acontecendo.

— Tô bem! Tô bem! Mas me responda, doutor, quanto tempo tenho ainda de vida? — questionou Setembrino.

— Mas quem falou que você vai morrer?

— Ora, não vou?

— Não sei! Pode ser que sim, mas pode ser que não, em medicina nada é absoluto. Risco o senhor corre, mas não significa que vai morrer.

— Então não vou precisar me confessar?

— O quê? Pergunta a curiosa esposa.

— Nada, nada. Só tava pensando.

Nessas alturas, Dona Joana se encrespou:

— Agora quem quer ouvir a confissão sou eu. Desembuche! Garanto que esta confissão tem haver com aquela biscate loira do quinto andar. É isso, né? Ou é aquela revendedora do... Pode falar...pode falar... Veja lá! Se eu te pego, eu te capo, Setembrino!!!

13/1/2009 22:11:37

Luiz Celso de Matos
Enviado por Luiz Celso de Matos em 02/05/2009
Código do texto: T1571594