Transtorno Obsessivo-Compulsivo

Acordou sobressaltado com uma frase lhe tomando a mente, e ao abrir os olhos, exclamou de supetão: “Vai tomar no cu!”. Não sabia exatamente porquê, mas esta desagradável frase ficou se repetindo na sua cabeça. Sentou-se na cama, passou as mãos nos cabelos, coçou os olhos, espreguiçou-se, e na sua cabeça a frase lhe martelando: “Vai tomar no cu!”. Ergueu-se da cama intrigado com aquela voz interna, repetindo o imperativo insistentemente. Não conseguia pensar direito. Ensaiava um pensamento e outro, mas era sempre entrecortado com a frase imperativa: “Vai tomar no cu!”. Pensou no que iria fazer durante o dia, as obrigações no trabalho, as preocupações com as crianças, mas sempre pensamentos inconclusos: “Hoje tenho uma importante reunião. Tenho que chegar cedo à repartição... Vai tomar no cu!”. “A professora do Junior mandou um bilhete... Vai tomar no cu!”. “Tenho que falar com a Mariazinha sobre o novo namorado dela... Vai tomar no cu!”. E assim, inquieto, dirigiu-se ao banheiro para fazer a barba, tomar banho, escovar os dentes. Enquanto se mirava no espelho, passando a navalha em sua face, a voz: “Vai tomar no cu!”.

Depois do banho tomado, roupas trocadas, chegou à cozinha para um gole rápido de café, despedir-se da família e sair para o trabalho. E sempre a voz: “Vai tomar no cu!”. Encontrou sua esposa e as crianças tomando o café da manhã, seus filhos já trajados com a farda da escola. A esposa lhe sorriu ao vê-lo e o cumprimentou: “Bom dia, querido!”. Seus filhos fizeram coro com a mãe: “Bom dia, papai!”. Ele respondeu com um sonoro: “Vão tomar no cu!”. A esposa corou e em seguida caiu no choro, os filhos fizeram cara de espanto e calaram as bocas, assustados. Ele só conseguia repetir, aos berros: “Vai tomar no cu!”. Imediatamente recuperada do susto inicial, mas ainda aos prantos, sua esposa começou a dizer que ele era um animal, que devia respeitá-la e às crianças, começou a gritar que ele tinha desgraçado sua vida; seus filhos também caíram no choro e correram a abraçar a mãe, que continuava falando que ele era bruto, que não respeitava sua própria casa, e gritava e chorava cada vez mais. Ele só conseguia repetir, aos berros: “Vai tomar no cu!”. Desesperava-se, queria explicar a esposa que não queira dizer aquilo para ela e para as crianças, que as amava mais que tudo, que toda sua vida fora dedicada à família, mas sempre que abria a boca, repetia: “Vai tomar no cu!”. A esta altura, balbúrdia instalada no seu lar, a esposa agora também gritava: “Vai tomar no cu você, seu cafajeste! Desgraçou minha vida. Bem que a mamãe dizia que você não prestava. Pois saiba que você é corno, seu merda! Não sabe fazer uma mulher gozar, seu brocha. Pois saiba que eu já te traí muito, com seu primo, com o açougueiro, com o padeiro. Te traí porque seu pau não levanta, seu merda!” Os filhos aos berros, correndo de um lado para o outro, ele desesperado querendo pedir desculpas, mas agora tomado pelo ódio das revelações de sua esposa, só conseguia repetir: “Vai tomar no cu!”.

Saiu de casa desesperado, deixou o caos lá instalado, mulher e filhos berrando de choro e de raiva. Correu para seu carro na garagem, gritando a plenos pulmões: “Vai tomar no cu! Vai tomar no cu!” Ligou o carro e rumou para o trabalho. Tentava pensar no que aconteceu, no que estava acontecendo, mas não conseguia. Sempre a frase se impondo em seus pensamentos: ”Vai tomar no cu! Vai tomar no cu!”. Mas o que antes eram apenas pensamentos passou a se tornar palavras, e ele começou a murmurar baixinho, enquanto dirigia: “Vai tomar no cu!” “Vai tomar no cu”! Quando parava nos semáforos, ou nos vários engarrafamentos que encontrava no trajeto do trabalho, percebia que as pessoas lhe olhavam, já que ele murmurava baixinho, como se rezasse, e outras vezes falava em alto e bom som:”Vai tomar no cu!” “Vai tomar no cu!.” Muitas vezes um motorista ou um pedestre lhe olhava fixamente ou fazia gestos obscenos em sua direção, pensando que ele os xingava. Nessas ocasiões ele abria a boca em plenos pulmões e gritava: “Vai tomar no cu!” “Vai tomar no cu”! Mas sempre com uma expressão de tristeza e desespero no rosto.

Chegou à repartição um pouco atrasado. Tentava adivinhar o que seu chefe e seus colegas iriam pensar sobre o atraso, já que ele sempre fora pontual. Tentava, pois não conseguia. “Vai tomar no cu!”, era apenas o que ecoava na sua cabeça. Ao estacionar seu veículo, o porteiro o saudou com um festivo: “Bom dia, doutor.” E ele, taxativamente e na cara do porteiro: “Vai tomar no cu!”. Disse isso e correu em direção à sua sala, sem esperar a reação do porteiro. No meio do trajeto do estacionamento até seu escritório, tentou se desvencilhar dos colegas, mas sempre murmurando baixinho: “Vai tomar no cu!”. Entretanto não conseguiu desviar do Fonseca, seu colega da sala ao lado, amante de futebol como ele, que sempre lhe recebia com comentários futebolísticos ou sobre as mulheres que comeu. Ao cruzar com o Fonseca, tentou fazer que não o tinha visto, mas o Fonseca veio em sua direção, e o saudou: “Grande Marcondes! Vamos ao jogo neste final de semana? Olha, tem uma nova estagiária bem gostosinha. Já a convidei para tomar uma cervejinha e ela aceitou. Escreve o que to te dizendo:Vou comê-la.” O Fonseca disse tudo isso de uma só vez, e ao parar, ele só teve uma reação: “Vai tomar no cu!” Gritou na cara do colega, inundando sua face de saliva, e imediatamente voltando a correr em direção a seu escritório. Ao chegar, fez que não via a secretária, que lhe recebia com um sorriso cretino na face:”Bom dia, doutor”. Abriu a porta, mas não se conteve. Já estava entrando em sua sala, mas deu meia volta, aproximou-se da jovem secretária, estufou o peito e saltou: “Vai tomar no cu!”. Trancando-se imediatamente em seguida no escritório.

Lá dentro o suor tomava seu rosto. Um misto de pânico e horror lhe tomaram por completo. Tentava pensar no que iria acontecer, sabia que logo, logo, seu chefe, o Fonseca, a secretária e quiçá toda a repartição iriam bater em sua porta, perguntar o que estava acontecendo, lembrar-lhe da reunião de trabalho. Mas não resistia, murmurava seguidamente “Vai tomar no cu!” “Vai tomar no cu!”. Escutou baterem à porta e a voz do chefe: “Marcondes! O que está acontecendo? Abre esta porta, precisamos conversar”. Não titubeou: “Vai tomar no cuuuuuuuuuuuu!” Uivou, seguido de uma estrondosa gargalhada. Passou a rir e chorar ao mesmo tempo, enquanto gritava em plenos pulmões: “Vão tomar no cu todos vocês! Deixem-me em paz e vão simplesmente tomar no cu!” Não conseguia mais parar de gargalhar, lágrimas escorriam por sua face, enquanto lá fora toda a repartição se concentrava atrás do chefe, que batia violentamente na porta: “Abre esta porra, Marcondes!” “Abre logo, antes que eu derrube esta porta.” Não conseguia mais atentar nas vozes que vinham de fora; de início distinguiu no burburinho lá fora as vozes da secretária, do Fonseca, do porteiro, do chefe e tantas outras. Vozes familiares, que estavam incorporadas a sua rotina e que, a bem da verdade, pensou, já deveriam ter ouvido muito antes um bom e sonoro “Vai tomar no cu!”. Pensou na esposa e nos filhos, de fato eles mereciam desde há muito serem mandados tomar no cu. Não reconheciam seu esforço, sempre a cobrar mais e mais dinheiro para as compras, os passeios, os brinquedos. A mulher já não trepava com freqüência com ele, e sempre que o fazia, ele percebia o asco que causava na companheira. Sua respiração ofegante começava a normalizar-se e seus gritos de “Vai tomar no cu!” foram aos poucos se reduzindo. Tornaram-se quase um mantra. Sentou-se à porta do escritório, afrouxou o nó da gravata,passou as mãos nos cabelos banhados de suor, repetindo baixinho e com um sorriso nos lábios: “Vai tomar no cu!” “Vai tomar no cu!” “Vai...”

Marcio de Souza
Enviado por Marcio de Souza em 04/05/2009
Reeditado em 04/05/2009
Código do texto: T1575501
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