O acaso

Robusto e insolente. Alberto Bellini. Professor de Sociologia em duas universidades federais. Com alguma frequência profere palestras Brasil afora e às vezes no exterior. Afamado pela impaciência com as pessoas e coisas. Prefere andar a pé a ter que trocar um pneu do carro. Fala demasiadamente, mas se é estorvado perde completamente a razão, se irritando descontroladamente. Talvez seja hábito adquirido como palestrante; por falar e não dar oportunidade para nenhum ouvinte contraditá-lo.

Mora sozinho no apartamento 404 do edifício Londres. A vizinhança não o conhece apenas o vê chegar ou sair, esporadicamente. Casado, separado, solteiro ou namora com alguém: - não se tem notícia. O homem da padaria apenas responde-lhe vez ou outra o bom-dia que ele dispara entre os dentes. No bar próximo já foi visto bebendo uísque sem gelo.

Na sala de aula não é muito diferente: - faz a chamada e logo inicia as explicações do conteúdo, opondo-se a perguntas ou comentários descabidos: - limita-se ao pertinente ao conteúdo ensinado. A universidade não o importuna pelo fato de ser detentor de pós-doutorado na França – é o que se imagina. A maioria dos alunos o detesta, e sempre buscam uma forma explicitar. Mas, sem sucesso.

Com o passar do tempo, e por ser o último período do curso; dois alunos resolvem investigar a vida pregressa deste inusitado professor. Rafael e Marcos passam a marcar presenças em todas as palestras. Seria o início de uma investigação; frutífera ou não. Tinha que haver um mistério na forma comportamental daquele homem atípico.

A primeira palestra em que foram ocorreu no estado de São Paulo, capital. Professor Alberto Bellini palestraria a uma platéia de aproximadamente 1.500 pessoas: empresários, educadores e alunos. Todos alertas e ávidos por conhecimentos. O tema da palestra: “Compromisso de responsabilidade social à luz das necessidades individuais”.

Não se podia negar a eloquência na explanação do tema pelo professor. Fazia-o com abstração, segurança e profundo conhecimento. O clima contribua sobremaneira; céu claro, mas sol brando. Os auxiliares bem treinados. Tinha aparentemente tudo a seu favor. Mas as presenças de Marcos e Rafael eram objetivamente investigativas. Não os interessava a comprovação de domínio pleno de nenhuma matéria, interessava sim, algo que lhes mostrasse quem era aquele homem e o que pretendia.

Foram a outras tantas palestras e sempre a mesma coisa. Quando o professor iniciava sua palestra, preparavam o ouvido tentando captar algo que contribuísse efetivamente para suas averiguações. Observam atentamente a todos os movimentos do professor. Mas ao término: o insucesso.

A última que participaram foi proferida em Belo Horizonte, Minas Gerais. E nesta, para sorte deles, houve algum avanço. O comportamento de Alberto Bellini foi muito diferente. Permitiu que ouvintes o indagassem sobre o assunto abordado, o que evidenciou alguma insegurança por parte daquele palestrante ao responder as perguntas. Possivelmente toda aquela resistência em não permitir as contestações tivesse respaldo numa possível camuflagem. Cedo ou tarde mais alguma evidência desvendaria os motivos de um homem optar por uma conduta tão anômala. Principalmente por ser professor tinha necessariamente que participar mais ativamente da vida acadêmica, ou seja, dar suporte ao aluno na suas necessidades diárias.

Intervalo da palestra. O professor Alberto Bellini se retirara para uma sala ao lado. Logo percebemos quatro homens de ternos iguais de cor escura, dois deles usava óculos escuros, olhavam com impaciência para todos os lados do auditório. Conversaram com os auxiliares, os quais apontaram para a sala em o professor estava. Foram adentrando a sala e por lá permaneceram.

Rafael e Marcos estavam ansiosos. Queriam saber quem eram aqueles homens. Embora o professor tenha permitido aos ouvintes participarem; jamais permitiria que um ato tão hostil. Havia alguma coisa muito estranha pairada no ar. Mais pessoas foram se embrenhando naquela sala; pareciam jornalistas por portarem câmeras, microfones, blocos nas mãos... Eram mesmo jornalistas, estava evidente. E a aflição tomava conta de Rafael e Marcos, que esfregavam as mãos, andavam de um lado para o outro, se entreolhavam, o suor escorria...

O promoter encaminha-se ao microfone e anuncia que o professor palestrante fora acometido de um mal-estar, sendo conduzido a um hospital. E que outro professor havia se prontificado a substituí-lo. Portanto, a palestra continuaria.

E aquele anúncio soou para Marcos e Rafael com iminente inverdade. Os homens que viram entrando na sala onde estava o professor, não tinham características de profissionais da área de saúde. Não perceberam nenhuma ambulância, nem policiais militares, bombeiros... Mas que nunca precisavam da verdade. E permanecendo naquele auditório certamente não teriam nenhuma informação acerca da verdade, ou mentira.

Resolveram sair do auditório. Mas antes de saírem definitivamente do auditório, deram uma volta em todo o prédio, perguntando aos serviçais que encontravam pelos corredores sobre o que ocorrera com o professor; em que hospital estava; que mal havia sentido. A maioria apresentava sempre a mesma resposta: - não sabemos senhores! Já desalentados, apertaram os passos intentando sair logo daquele lugar, ganhar a rua e buscar alguma informação noutro ambiente. Afinal, alguém tinha que ter visto, ou saiba...

Próximo ao final do corredor, estava a um canto um serviçal que empurrava um carrinho cheio de envelopes; precisamente correspondências. Resolveram tentar a última pergunta. Não tinham esperanças. Mas o velho estava no caminho: iam tentar. Pararam próximo ao senhor e Marcos dirigiu-lhe a pergunta de forma curta, grossa e objetiva:

- Senhor, por favor!

O senhor parou. Encostou o carrinho e olhou para o lado oposto em que estavam, mas virando-se em seguida para o lado certo. Já bem próximo Marcos continuou:

- Aquele professor que proferia a palestra aqui, hoje, enfartou-se?

- Não senhor! Que eu saiba não houve nada contra a saúde daquele professor, exceto a privação de sua liberdade. Afirmou aquele senhor com muita propriedade.

Marcos e Rafael arregalaram os olhos e quiseram saber mais daquele senhor. Desta vez Rafael que perguntaria, estabeleceram-se entre olhares:

- Quem eram aqueles homens de ternos iguais? Indagou Rafael aflito com a resposta.

- Policiais Federais, senhor. Respondeu o senhor demonstrando convicção.

- Mas o que ensejou tudo isso, senhor? Rafael queria saber mais.

- Não sei com todos os detalhes. Mas ouvi que aquele professor se tratava de um italiano irregular no Brasil e, além disso, um falsário. Nunca foi professor. Toda documentação era falsa, inclusive os diplomas de professor.

Rafael e Marcos se olharam por um instante e concluíram que não lhes restavam mais dúvidas: toda a estranheza daquele homem tinha algum sentido. Nada é por acaso.

FIM