O Homem atencioso


Disse-me ser Sabrina. Disse-me ainda que se fosse pela vontade da mãe, seria Roberta. Não sei o que prefiro, se Sabrina ou se Roberta. Que merda de conversa. O digno a fazer naquele momento era sacar o pau de dentro da calça. Obviamente que não fiz. Se fosse o Índio ele faria. Não sou o Índio. Pior pra mim.
 
- Sabe que eu acho Sabrina mais bonito, né?
- Você acha?
- Acho. Acho que sua mãe tem talento para escolher nomes. Deve ser uma mulher fascinante...
- Mas a minha mãe preferia Robertat!. Foi meu pai que insistiu. Ele tinha uma tia chamada Sabrina. Acho que foi isso. Eu não sei o que eu prefiro. Mas Sabrina está bom também, né?Sa-bri-na. Bonitinho também, né?
 
 Uma graça.
 
 Estava frio. Havia esquecido o casaco. Naquela noite ainda falamos sobre Chico, Caetano, e vinho rose. Gosto do Chico, não gosto do Caetano e vinho rose me emociona tanto quanto uma partida de críquete. Dezenove graus no termômetro da rua. Dava pra ver da mesa de onde estávamos. Falamos também sobre a nova boate que abriu na Barra. E sobre a novela das oito. Resistia bravamente. Nosso pacto era claro: Sabrina precisava de alguém que lhe ouvisse atentamente. Era missão das mais difíceis. Eu precisava apenas conseguir. Bebemos duas caipirinhas de tangerina. Voltamos ao colégio. Inesperadamente me vi discutindo sobre jogos femininos e antigas professoras. Não tive muita reação ao saber que uma de suas melhores amigas de infância havia aberto uma grande loja de decoração no São Conrado Fashion Mall. Acho que ela percebeu.
 
- Você conhece a Decorart, não conhece?
- Decorart?
- É! Pelo amor de Deus. É uma loja fantástica. A nata dos decoradores e arquitetos cariocas vive por lá... Só gente bonita, antenada. Todas as tendências. Você gosta de decoração, arquitetura, essas coisas?
- Decoração? Eu! Claro. Decorart! Claro! Quem não conhece? Loja de muito bom gosto. Das melhores. Quer mais uma caipirinha?
 
Preocupei-me quando Sabrina passou a pedir água com gás. Nem tanto pelo gás em si, que dizem dilatar o estômago, mas pelo fato de que se eu tinha alguma chance, ela residia em manter a concentração e enche-la de álcool.
 
- Não, não costumo ir a Búzios.
- Mentira! Ela se fez de perplexa juntando as mãos sobre o colo.
- É. Sei lá. Acho que curto mais a serra. Você gosta de serra?
- Gosto, mas to passada! Você não gosta de Búzios?
- Não é isso, Roberta. É que...
- Sabrina!
- O que eu disse?
- Disse Roberta.
- Não. Não disse. Disse Sabrina.
- Quem é Roberta?
- Roberta?
- É. Quem é Roberta?
- Não tem Roberta nenhuma, tem Sabrina. Acho que me confundi com a história da sua mãe ter colocado o nome que o seu pai queria.
- Foi o contrário.
- O quê?
- Minha mãe preferia Roberta.
- Então? O que eu disse?
- Disse que ela preferia Sabrina.
- Não. Isso eu não disse.
- Isso é que dá o homem beber demais, sabia? Vocês são todos iguais.
- Não. Não é isso. Só me confundi. Calma, Sabrininha..
- Calma é o caramba, pô! Estamos começando um relacionamento e você troca meu nome?
- Estamos o quê?
- Começando um relacionamento! Você ouviu bem. Estava te achando tão sensível, tão atencioso. Não é possível. Poxa, Dagoberto! Errar o signo vá lá, o bairro onde mora, ok! Mas o nome?
- Sabrina, foi um descuido. Você é linda, sabia? Fica ainda mais linda com essa cara de brava.
- Você ainda não viu nada. Não estou brava de jeito nenhum.
- Deixa pra lá. Quer mais uma caipirinha?
- Não, obrigado. Quero um remédio pra dor de cabeça. Se incomoda se formos embora? Amanhã eu acordo cedo.
- Mas, Sabrina...
- É sério. Estou com sono. Vamos?
- Isso tudo é por causa do nome?
- Peça a conta, vai...
 
Recordo-me de ter dirigido bêbado, cansado e mudo por quase todo o trajeto. Na portaria de seu prédio uma última tentativa:
 
- Vamos beber alguma coisa? Deixa eu desfazer esse mal entendido...
- Amanhã. Hoje estou cansada.
- Tenho uma promessa?
- Promessa?
- Sim, amanhã! Isso é uma promessa?
- Não. É uma possibilidade. Agora me deixe subir. Um beijo!
- Até amanhã.
 
Ela foi balançando a bunda até o primeiro degrau da escada de mármore que servia de acesso ao prédio. Eu olhei o relógio e já se passavam das três da madrugada. Sensação ruim. 18 graus. O Índio colocaria o pau pra fora. Não sou o Índio. Isso é de se lamentar.