A Lua

Ele levantou a mala. A partir desse momento uma avalanche de pensamentos horríveis tomou conta de mim. O futuro após sua partida era a certeza do incerto. Nada do que vivemos valera à pena? Será que o calor do meu colo não fora suficiente? As noites loucas de amor que tivemos nada significaram? Será que um dia ele voltaria? Será que tudo teria cura? Mesmo que voltasse, será que as coisas estariam do mesmo jeito que ele as deixou? Ainda nos amaríamos? Seria tão intenso como foi? São perguntas sem resposta.

Era inútil tentar me convencer de que poderia me apaixonar novamente. Quem neste mundo poderia compreender totalmente os anseios e desejos de minha alma como ele? Lia meus pensamentos, tinha sonhos como os meus, desejava ardentemente viver um amor intenso, louco e doentio. Era tudo o que eu precisava. Aqueles meses compartilhados sobre o mesmo teto me fizeram acreditar que o amor era real, e não apenas histórias dos livros. E logo eu, que sempre vivi preocupada com o futuro e me esquecia de viver o presente, consegui, ao lado dele, parar o tempo como se vivêssemos em um lugar atemporal, onde tudo estava a nossa mercê. Controlávamos tudo: as cores, as coisas, os sentimentos, as canções, o andar da vida. Éramos nossos próprios deuses. Erguemos nossos altares e pagamos tributo a nós mesmos, era a nossa profissão de fé. Entregávamo-nos loucamente em ritos loucos e longos de amor em nossa cama, nosso altar sagrado.

Enfim, era chegado o momento que eu sempre temi. O momento mais solene, a partida. Sim, a partida é o momento mais solene da humanidade. Solene e triste. É quase um rito. O leitor com certeza me questiona: mas a morte não seria o momento mais triste e os ritos fúnebres os mais solenes do ser humano? De jeito algum, pois, nunca poderemos evitar o fim, a morte não tem remédio, mas, a partida sim, a partida de um grande amor, essa podemos evitar que um dia ela chegue. E se ela chegar é porque houve falhas, ou, nossos sonhos tomaram um rumo diferente. E é isso que a torna tão solene e triste.

Descendo as escadas, não consegui falar nada. Queria pedir pra que ele ficasse, queria dizer o quanto eu o amava, que ele não precisava ir embora, que ele não podia ir embora desse jeito e esquecer tudo. Mas não consegui. Revivi cada instante das centenas de dias que vivemos juntos em apenas alguns segundos. Lembrei de cada coisa que fizemos juntos: as risadas, os beijos apaixonados, as guerras de travesseiros, os filmes, os vinhos, as noites em claro vivendo uma paixão surreal.

Na entrada do prédio, ficamos parados por um instante, frente a frente, sem que nossos olhares se desviassem. Vi a dor nos seus olhos, e percebi no seu íntimo que ele ainda me amava, contudo, realmente precisava partir. Não resisti: lancei-me em seus braços e meus olhos traduziram concretamente o que o meu coração já sentia. Chorei, chorei como uma criança, porém não disse sequer uma palavra. Ele também não falou. Beijou-me serenamente na fronte e depois minha mão. Disse adeus, pegou sua mala e partiu. Não olhou pra trás. Talvez para não chorar como eu e não voltar correndo arrependido. Fiquei ali durante horas, parada, olhando para a esquina, esperando algo que não aconteceria: o seu retorno.

Já anoitecia. As folhas e as flores sacudiam com o vento. Havia uma sincronia incrível naquela dança. Não sei bem se elas cantavam unissonamente para me alegrar e me confortar, ou, se choravam tristemente compartilhando a tristeza presente em meu coração.

Subi as escadas, num rito tão solene, triste e silencioso como a descida horas antes. Entrei no nosso quarto. Senti o seu cheiro. O perfume dele estava em toda a casa. Vi as escovas juntas como se elas se amassem, assim como seus donos. Vesti o seu pijama, para senti-lo mais perto e matar um pouco da minha saudade.

A noite avança e não tenho sono. Penso no futuro enquanto acaricio minha barriga. Sofro, sinto sua falta e não imagino como poderei amar novamente.

Entretanto, mesmo com esse sofrimento, preciso agora dedicar todos os dias da minha vida a outro propósito: ao ser que habita dentro de mim, descendente do homem que a noite levou.

Olho para fora e vejo a lua. Logo depois, ouço, bem distante, um uivo.

Luigi Ricciardi
Enviado por Luigi Ricciardi em 31/05/2009
Código do texto: T1624442
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