Santa Chuva

Ah, santa chuva! O céu desabando. Meu quarto, meu reduto. Do lado de dentro fico tentando disciplinar o que acontece lá fora. Estaria eu exigindo um poder dos deuses?

A chuva, que é alegria para os camponeses, rega suas plantações com bênçãos celestes, para mim é a manifestação da presença de minha amada. Não consigo controlá-la. Um vento não consegue barrar a chuva, não a ponto de não deixá-la tocar o chão.

Lembro-me dos últimos dias. Nós dois deitados na relva sonhando. Dois amigos, que fugiam deste mundo para ir a outro, onde só nós poderíamos entrar, um mundo em que cantávamos, recitávamos, rezávamos.

Naquela tarde, ela me fez conhecer outros sabores, mostrou-me no céu outras cores. E nela vi outras paisagens. Deu-me uma rosa. Beijou-a e entregou-me. Parecia que me entregava o seu próprio coração. Um coração partido pela perda de um amor, que parecia não querer mais se reconstituir. Pedia para que eu cuidasse de seu coração. E eu cuidei. Porém nada foi como eu imaginava, e eu já não conseguia viver sem a sua presença.

Preciso dela, tenho medo dela. Tenho medo de mim, tenho vergonha de mim. Se a insegurança passa no coração dela, no meu habita.

Ela tinha medo de se apaixonar. Eu já estava. Lembro-me do dia em que lhe recitei meus poemas. Seu olhar de menina encantada tocou-me profundamente, enfeitiçou-me. Eu queria poder abraçá-la, poder beijá-la, poder tocá-la, e viver.

Mas, o tempo, às vezes, não tem compaixão. As incertezas rondam os corações. Os sentimentos crescem, se revoltam. Só não sabemos se tem volta. O telefone toca, o velho amor a chama, nele ela se enrosca, e a mim não mais clama.

A tarde chuvosa em que estou agora nada lembra às anteriores em que o sol iluminava nossos caminhos nos guiando àquele mundo criado por nós dois. Ali, tudo o que era bom brotava em meu peito. Já sentiu a dor de perder alguém sem mesmo ter? É isso que eu sinto agora. Um início de primavera chuvoso substituindo as nossas amadas flores. Em um momento, sonho que volto no tempo e a tenho ao meu lado, e assim os dias se tornam menos tempestivos.

Raios me trazem de volta à realidade. Ela não pode ser minha. Estou a duas horas na janela e a chuva continua a cair sem cessar. O vento continua forte, mas a chuva não pára. Já faz parte de mim. Eu a entendo, eu a compreendo, eu a admiro. O vento ama a chuva, que apenas o toca e vai embora.

Assim então deixarei que seja. Que me toque e vá embora. Mas ao menos, toque-me.

Luigi Ricciardi
Enviado por Luigi Ricciardi em 31/05/2009
Código do texto: T1624443
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