Encontrando um velho amigo

Após um dia cansativo resolvi mudar o meu trajeto, não fui direto para casa, comecei a caminhar pelas ruas de minha cidade, um colega meu havia morrido de forma trágica no dia anterior. Após ser demitido cometeu suicídio, seu nome era João, tinha dedicado anos de sua vida em favor da empresa em que trabalhávamos e então foi descartado como um móvel velho que não serve mais para nada, nunca recebeu a promoção que tinha sonhado, sua família tinha se desmoronado, o pobre infeliz ao pular na frente do ônibus ainda tinha se poupado de mais um trauma, sua esposa tinha deixado a casa levando os filhos foi avisada quando avisada da morte do marido não manifestou nenhuma emoção, segundo ela já tinha perdido o marido a muitos anos.

Sentei na praça da cidade e fiquei imaginando o que João concluiria ao ver as conseqüências de sua morte, creio que iria chorar ao perceber que não teve conseqüências, sua família não sentiu nada, os filhos mal o vinham a esposa não conseguia falar com ele, tudo porque sua principal preocupação sempre foi a empresa, e esta nem sequer se manifestou em relação a sua morte, não fechou, não dispensou funcionários, não mandou flores. Este ser sem emoção nem sequer teve representantes no velório, eu mesmo fui apenas por dois minutos, não consegui ficar mais. Não o conheci o suficiente, trabalhamos lado a lado por 05 anos e eu nem sequer sabia seu nome completo, a vida as vezes é triste, erramos nossas prioridades e quando nos damos conta já é tarde demais, ela já passou.

Começo a perceber que se eu não mudar de imediato não terei um fim diferente, minha função inicial foi a mesma de João, minha expectativa é mesma que era a dele, da mesma forma que ele também tenho um casal de filhos, levo uma vida de padrão médio, minha esposa sempre me espera com o jantar, embora nunca tenha notado antes, eu e João almoçávamos no mesmo restaurante, eu sentava na mesa número 02 e ele sentava se na numero 08, inclusive na sexta feira que antecedeu a sua morte, ele tinha sentado –se na mesa número 09 e eu na número 03.

João falava pouco, eu também, João tinha uma camisa branca que usava sempre em conjunto com sua gravata cinza com riscos transversais, eu também. Meu Deus será que eu sou João? Será que estou me tornando este homem que da janela de minha sala vi estendido no chão? Não, não posso deixar que isto aconteça comigo, minha vida tem de ser diferente.

Meus pensamentos são perturbados por um latido baixo, um cão de rua me olha desconfiado, um desses vira latas que vemos todos os dias, normalmente não teria dado importância mas hoje, tudo parece tão diferente. Era um cão pequeno, magricela, seu latido era quase um choro, a pata direita traseira parecia machucada, seu pelo era meio amarelo, estava sujo em e cheio de carrapatos, com certeza pulgas eram incontáveis. Mas o que me perturbava nele era o olhar, um olhar triste, com medo e ao mesmo tempo com uma pequena luz de esperança, talvez desejando que ainda existissem pessoas que oferecessem carinho e não pedradas, palavras de ternura e não gritos.

Pensando em João, pensando em mim, pensando não cão que estava na minha frente, fiquei parado ainda por um instante, então retirei um pedaço de sanduíche do bolso me abaixei e ofereci ao cão que rapidamente veio em minha direção come e me olhou como que me agradecendo, o acariciei e o peguei no colo, dizendo:

- Vamos para casa meu amigo João!

Um casal de idosos que estava ali me olhou de um jeito estranho, não me importei, sempre quis ter um cachorro, com os cuidados necessários ele ficará muito bonito, e como eu não irei mais fazer horas extras poderei sair com ele todos os dias junto com meus filhos no fim da tarde.

Podemos levar nosso novo cão para passear no parque, eu iria interagir melhor com as crianças, participar mais da vida delas, minha esposa terá mais tranqüilidade para terminar seus afazeres domésticos sem nossos filhos gritando em volta e a noite quando as crianças dormirem nós teremos um tempo só para nós dois, ela não vai estar tão cansada e eu não vou estar estressado, podemos conversar, rir um pouco, voltar ao tempo de namoro. Talvez eu até mude de emprego, não gosto mais da empresa, vou atualizar meu currículo e falar com uns contatos que tenho.

Paro mais uma vez minha caminhada, olho para o cão, meu mais novo amigo de infância, sorrio quando ele lambe meu rosto, e não conseguindo me conter mais uma vez falo com ele:

- Obrigado por ter aparecido hoje!

Continuo meu caminho sem me importar com o olhar incrédulo do casal de idosos.

Marlon S Lopes
Enviado por Marlon S Lopes em 19/06/2009
Código do texto: T1657308
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