Quando a morte vem

Epitáfio

A gota de orvalho

Desliza triste na lápide (:)

O pranto das flores!

(flordecaju)

Lê e relê o e-mail. Lentamente. Engasgando-se nas palavras. Machucando-se na descida delas ao coração. Bate com a mão no celular, sobre a mesinha do PC. Recolhe do chão o celular que caíra com o movimento brusco e liga:

_ Pedro! É verdade?

Com os olhos pesados, prenunciando um aguaceiro, o corpo treme. Dá alguns passos incertos pela sala. Os filhos ouvem. De repente, arremessa o celular que se quebra ao chão. Grita dentro dela mesma. Entrelaça os dedos e comprime-os. As lágrimas descem em enxurradas, aos trovões. Rompendo-se em choros compulsivos; entra no quarto e atira-se na cama.

Ergue-se subitamente, pede um celular emprestado e liga. Mas os dedos negam-se a aquietar-se. Um dos filhos pergunta o número. A voz imobiliza-se. Dão-lhe água com açúcar. Indagam. E de pé, a tremer com a fala, o rosto banhado de lágrimas, os lábios sussurram que um dos irmãos dela morrera.

“Torote! Vai botar água no pote!”

_Oh, tio Júlio! Sabe muito bem que não gosto desse apelido.

_Deixa disso, menino! É um jeito carinhoso de brincar contigo.

E Francisco pegou a bola, ainda um pouco zangado com o tio, saindo rua abaixo. Os meninos do campinho já começavam a chamá-lo pela alcunha que o tio lhe dera. Era um menino esguio em seus doze anos.

Alto e alvo demais, estava sempre com as faces vermelhas de tanto correr na rua ao sol do verão. Ao jogar, retirava a camisa deixando as costas expostas. Os meninos costumavam puxar-lhe a roupa, dificultando-lhe algumas jogadas. Sua pele branca sofria e algumas assaduras já lhe tinham deixado marcas no corpo. Pensou somente no jogo e correu tal vento, driblando os colegas. Ele era o rei da bola. Goool! “Também, colocamos tua irmã para ser nosso goleiro!”, argumentaram os opositores.

Agarrou a menina com os braços suados, e deu-lhe um beijo no rosto!... Não foi bem visto aquilo! Os meninos gritaram que ela não jogava mais no time deles e que menina devia brincar era de boneca. Torote abriu um largo sorriso, ficou de pé, mostrando que era o maior dali, cruzou os braços e disse:

_Quem tem peito pra tirar Nena do campo?_ Depois com voz mais branda_ Afinal ela deu as rapaduras para o time ganhador!

Sem outro argumento mais convincente, o assunto foi encerrado e reiniciaram a partida.

_Mamãe! Mamãe! Sabemos de sua dor. Mas nos ouça...

O quarto era fechado demais para tamanho sofrimento. Vai à varanda. Desnorteada, bate de frente com a porta da sala. Os filhos a amparam.

Acha-se ali uma mulher, numa situação do ciclo vital humano, perdida em suas ações. Sem saber, a mente já sente uma vaga saudade; parece-lhe que sua vida se fora em instantes. Semelhante ao dias sem noites quando os filhos eram pequenos e, sozinha para cuidá-los, somente os irmãos a socorriam nas horas longas de febre de seus rebentos. Agora um dos de sua mãe se ia! O coração começa a correr nas lembranças. Tempos diferentes. Ultrapassa em segundos a barreira da infância e para no exato momento em que lera o e-mail de seu irmão Pedro.

Lágrimas eternas

Moram no coração meu:

(Voto de pesar!)

Abraça os filhos, em delírio de dor, articulando algo como velório...

A meu irmão Francisco/ Torote, por ocasião de um ano de seu encontro com Deus.

Teresa Cristina flordecaju
Enviado por Teresa Cristina flordecaju em 21/06/2009
Reeditado em 27/06/2009
Código do texto: T1659574
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