O RITUAL DAS GALINHAS

Augusto narrando suas experiências de calouro na cidade grande, assim se expressa: -“ Morei numa casa de família, cuja senhorinha, dispensava-me cuidados especiais, muito acima da taxa normal aceitável, sem causar desconfiança aos vizinhos. Inadvertidamente, seu descontrole subiu aos corredores dos outros andares e a todas as cabeças, menos, aos olhos do seu marido – respeitável figura, digna de consideração e apreço.

contudo,uma irrefutável apreensão levou-me a tomar uma decisão cautelosa, apressando minha mudança dali, através dos classificados dos jornais.

Completado o intento, ao mudar-me, senti que não caí bem na nova morada. O ambiente carregava um ar pesado nas pessoas que o frequentavam, todas de baixo nível social e mental, ainda que algumas tivessem um bom nível de escolaridade. Aos poucos fui tomando conhecimento da realidade e comportamento, completamente avesso à minha maneira de viver. –

O proprietário – um” juiz de direito”- chegava em casa entortando tudo, começando por de vez em quando, bater na mulher e nos filhos, sobrando para os outros, ouvir seus palavrões de baixo calão,que em geral,levavam, os moradores do prédio a pedir a presença do delegado, o qual, transferia aos subalternos o infortúnio de acorrerem ao local, quase sempre convencidos pelo juiz, do direito que tinha de castigar a esposa e da audácia dos moradores, de interferirem nos seus atos, quando cumpria o que achava direito fazer. Além disso, toda a família reunia em casa, durante a semana, muitos "pais de santos", transformando em terreiro o apartamento de dois quartos (um dos quais, por contrato me pertencia), promovendo sessões de

baixo espiritismo, com rufar de tambor, cachaça adocicada, defumação a fumaçadas de grossos charutos de alto teor odorífero, ao ritual das “galinhas pretas” atravessadas por punhais, onde sobressaíam nomes de pessoas consideradas irreverentes, por consequinte uma condenação era-lhes imposta: “A MORTE!...” No final de toda essa matança, depositavam no meu banheiro os vômitos e o sangue jorrado das vítimas através dos “despachos”, geralmente, colocados, na porta do inimigo à mira dos rituais. O pé da minha porta parecia campo blindado,cheio de: flores colares, farofa, marafo, velas acesas, charutos e uma infinidade de outros apetrechos próprios desse tipo de crendice; da qual, não comungo, contudo, não refuto o direito de quem nela encontra momentos de felicidade, mesmo, cultuando o mal. – “A maneira de viver dos outros, não oscila a clareza dos meus costumes”firmados no que acima acabo de descrever –juntando a isso, os princípios básicos que me deram meus pais – somados à experiência constituída pela observação, seleção de valores, ambiente e terreno, aos quais, posso ascender sem receio. – Desestabilizado, fora completamente dos meus padrões e costumes, preparei novamente a mudança. Ao despedir-me senti que não agradei. Foi-me dito que eu seria atingido por um daqueles pu-

nhais, em vista do meu gesto igualar-se aos dos que renegam a fé nos orixás que punem rigidamente esses descasos... naquele mesmo dia seria desencadeada uma guerra na qual, me tornaria o “alvo central”! Como os demais,”A MORTE”! Eu porém, ouvi tudo sem nada responder; apertei as mãos e saí.

Quinze dias após ter saído, voltei para rever amigos- tal foi minha surpresa ao saber que a referida senhora falecera de câncer. Novamente, um mês após, comunicaram-me o assassinato do juiz, pela segunda esposa, cujo casamento cumprira-se uma semana após o falecimento da primeira! Esta, sem dúvida, não era chegada à leitura das obras de Nelson Rodrigues: à primeira agressão, reagiu com um tiro saído do revolver do próprio marido.- “Há quem diga que são as coisas retornando aos seus próprios donos!”

Zecar
Enviado por Zecar em 13/05/2005
Reeditado em 01/07/2016
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