Contos do Senhor Tempo

Boa noite você meu caro que me lê. Você não me conhece, mas eu provavelmente conheço você. Não sei bem, na verdade; a minha andança por este vasto mundo me foi tão grande que hoje nem eu quase sei ao certo quem sou. Talvez alguém que procure uma identidade, algum sentido. Talvez que procure um meio de realizar as façanhas. Talvez uma vontade de realizar, antes de tudo.

Sei que vi muita coisa por aí. Umas tantas sublimes, outras tantas horríveis. Isso tudo me impressionou. Eu, nesse período de minha vida, com tal carga acumulada, me faz pensar nesse mundão que por mim foi presenciado.

Lembro da história certa vez de um guri. Ele amava tudo e todos. Tinha amigos, gostava deles. Tinha sub-amigos, que gostava também. Pessoas à volta dele sempre foram algo que ele valorizava. O problema é que ele amava demais. Se alguém tinha um bom e grande coração, com certeza era ele. Ele só ficava incomodado porque, apesar disso, ele não tinha a pessoa em especial pra amar. Mais ainda, ele não tinha quem o amasse. O que era meio dolorido para ele, nunca lhe faltara amor pra doar e logo quando há quem precise, ele não o tem. Então esse guri cresceu, sempre com os amores na cabeça. Por mais que tentasse, ele não conseguia parar de pensar naquela que um dia haveria de lhe fazer feliz. O curioso é que essas mudavam assim que mudavam as estações do ano, mais ou menos. No auge da sua maturidade, formado e empregado muito bem, diga-se de passagem, ele quase não pensava mais nisso. Ele perdeu pra vida. Cansou. As explosões dos tempos primordiais de sua juventude agora não passavam de fumaça de um palito de fósforo que fora totalmente consumido pela queima. O fósforo foi riscado, houve uma chama forte e grande de início. Aí o tempo foi passando, passando, e o palito queimando... e hoje em dia o que temos é isso. Ele, que em tempos anteriores fora tão adorável, ele que podia tanto por qualquer menina que sonhara, agora não passa de um desiludido. A vida se esqueceu dele. Antes ele fazia aquela velha brincadeira do “cupido burro é foda”. Pode-se dizer que atualmente o cupido entrou de vez em estado de demência e nem voa mais, tal a debilidade do mesmo. Ele tem uma boa casa, tem dinheiro e até um belíssimo cão preto, aquele que faz com que esse adulto sem esperanças não enlouqueça de vez, tal qual seu cupido. Mas isso não é o suficiente. Na verdade, nunca é, sempre estamos querendo mais e mais. O que acontece é que nesse caso, o que ele queria não era nada de tão grande assim. Tá, parando pra ver, é algo deveras grandioso, porém, não é difícil de se obter. Ele apenas foi esquecido pela vida. A Roda da Fortuna não brilhou para ele, deu ao homem essa vida amarga e cinza e sem sonhos. Vale dizer que ele morreu esquecido, no seu casarão, no auge dos seus 97 anos de idade. Teve uma parada cardíaca e não havia ninguém para socorrê-lo. Seu corpo foi encontrado já em estado de putrefação quando a imobiliária arrombou a casa para ver o que havia acontecido. Isso coisa de alguns bons meses depois dele ter partido dessa pra melhor... ou pior, vai saber. A julgar pela vida descolorida que teve, é complicado dizer que ele, no outro mundo (sabe-se lá como é), teria uma pós-vida pior que a que teve em terra.

Paralelamente acompanhando de perto essa vida desiludida, presenciei também a vida de uma garotinha que muito me impressionou. Ela começou como tantas outras, vinda de uma família de classe média alta, com seus sonhos com pôneis cor de rosa e príncipes em cavalos brancos. Lá pelos 11 anos de idade ela beijou pela primeira vez um menino, numa dessas clássicas brincadeiras de Verdade ou Desafio. Beijou um, e outro, e outro, e outro... aos 13 anos, ia para festinhas para beijar meninos. Aos 14 transou pela primeira vez com um namoradinho, cujo namoro não durou nem 3 meses ao certo. Agora que ela já estava iniciada na vida, foi aproveitá-la. Aos 15 era a menina mais rodada de todo o colégio. Ela tinha o prazer de descabaçar todos os meninos novinhos que lhe eram concebidos, apenas pelo prazer de ver os novinhos virarem os olhos pela primeira vez dentro de uma mulher. Mulher? É como se considerava. Apesar de tudo, mantinha-se uma ética entre ela e todos que passavam por ela... isso quando os moleques não se apaixonavam. O que era uma pena, antes mesmo deles começarem a sentir de verdade as famosas borboletas no abdômen ela já estava com outro. Ou outra. Quando fez 16 anos de idade, foi a uma festa rave, onde experimentou duas coisas pela primeira vez: bala e também outra menina. Foi uma loucura, pode-se dizer literalmente. Ela não era uma menina que media esforços para obter o prazer que a vida poderia ceder a qualquer um. O que era fácil, ela era bonita e tudo o mais, já ajuda bastante. Daí misturamos essa certa facilidade com um bom tanto de vontade e temos isso – alguém que vive a vida a mil. Preciso contar o que houve depois? Bom, essa belíssima garota agora poderia ter o status de promíscua e bissexual... sem contar viciada. Depois das piras muito loucas promovidas pelas balas da night, vieram os relax da erva e a alta intensidade do pó. O lance piorou muito mesmo quando ela foi pra pedra. Eu posso garantir isso, um em cada cem casos de envolvimento com crack consegue se libertar de vez do vício. O que não foi o caso dela. Ela começou a emagrecer, seus olhos saíam de órbita, dessa vez não por prazer! Antes fosse apenas isso. Sua pele estava pálida e seu corpo estava definhando, parecia um castelo de cartas que iria desabar a qualquer momento. A antes sonhadora menina dos pôneis hoje é uma viciada sem limites de drogas, sejam elas lícitas, ilícitas ou ainda sexuais. Na verdade, cometi um erro. Ela hoje não É viciada. Ela foi. Morreu de overdose na tenra idade de 27 anos. Nunca amou ninguém. Nunca fez nada que possa ser dito racional. Nunca ao menos viveu a vida como realmente deveria ser. Seu ímpeto pelas coisas divertidas excedeu a cabeça... e lá se foi mais uma bela menina com um futuro brilhante.

E também presenciei a ascensão de pessoas que não fizeram nada mais do que apenas enxergar as coisas de um modo diferente. Na física, por exemplo, temos o garoto Newton. Ele sentiu a porra da maçã cair na cabeça dele e revolucionou toda a ciência desde então. Aquele outro, o francês, tal do Saussure. Ele nada mais fez do que separar características das línguas em dicotomias e pimba, isso facilita muitíssimo o trabalho de estudo e análise da mesma. Com pequenas atitudes pode-se revolucionar uma ciência. Ou ainda criar uma. Basta apenas saber olhar de forma correta... ou não costumeira. Talvez de fora da caixa, se é que me entendem.

Também vi tragédias. Aquele lance todo do holocausto na Segunda Guerra Mundial mexe comigo até hoje. Aquele gurizinho austríaco, tava na cara dele que ele ainda ia causar um bom tanto de problemas quando adulto. E não contem a ninguém, mas a vida de Jesus não foi tudo isso que divulgam naquele suposto livro sobre a vida dele.

Agora, uma coisa que não divulgam e que eu vou sim meter a boca no trombone pra falar é sobre um caso que eu presenciei... e que vai causar grande discussão. Ou não, quem sabe? Fato é que eu vi tudo. TUDO. Desde quando o Escobar chegou na casa em Matacavalos, até quando a Capitu lhe ofereceu café, daí eles foram pro quarto e... bom, o resto vocês já sabem. NÉ, Ezequiel? Não há porque haver discussão, o Bentinho era infértil, só isso. Mas vai querer discutir com um mulherão daqueles. Ela te bota contra a parede só com os olhos, não há nem meios de argumentar.

Olha, sei que eu tenho ainda muitas histórias pra contar, das mais variadas. Algum outro dia desses a gente vem a se trombar de novo, por que não? Quando eu estiver disposto de novo, venho aqui e narro com prazer àqueles que quiserem me ouvir.

Meu nome?

Tempo.

GaP
Enviado por GaP em 06/07/2009
Código do texto: T1686153
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