Na suave cadência das ondas do mar

NA SUAVE CADÊNCIA DAS ONDAS DO MAR

Terezinha Pereira

Enquanto caminhava na praia com a mulher de meus sonhos - prazer tamanho do mar - entranhado no mistério de seus segredos, resolvi contar-lhe uma história.

“Era uma vez, anos atrás, um pescador que saía, dia ainda escuro, para buscar o sustento de sua amada. Mar calmo, mar revolto, ventania, tempestade, o homem voltava com o barco cheio de peixes e encontrava a mulher a espera no porto. Juntos, separavam a pesca boa para o dono do barco. Comiam do que restava. Um dia, o homem resolveu ser dono de barco. Juntou das migalhas que o patrão lhe dava em troca da pesca boa e comprou um barco já gasto pelo uso, mas acostumado aos trancos da tarefa que lhe era de destino. E, todos os dias, dia ainda escuro, saía o homem com seu barco para o trabalho. Quando voltava, encontrava a mulher a espera no porto. Separavam a pesca boa e vendiam. Comiam do que restava. Com a venda da pesca boa, após sair inúmeras vezes, dia ainda escuro, para o mar e encontrar a mulher a espera no porto, o homem afinal comprou um barco novo. E comprou um vestido novo e um chapéu novo para a mulher. Dia ainda escuro, a mulher pôs o vestido novo, o chapéu novo e foi com o marido para o mar. Talvez, por saber que não há mais ninguém a sua espera no porto, o homem, até hoje, não voltou com o barco cheio de peixes”.

........Caminhando na praia com a mulher de meus sonhos e experimentando de todo o prazer que me proporcionavam - a mulher e o mar - contei-lhe outra história:

“Ao cair da tarde, por anos e anos, uma idosa senhorita vinha até a praia com seu vestido preto de bolinhas brancas, sapatos brancos de salto alto e uma sombrinha preta com babadinhos nas beiradas. Ficava mirando o mar. Sem importar-se quando o vento sul vinha e fincava-lhe areia na pele, ou quando a chuva vinha violenta, ou quando o frio vinha rigoroso...Um dia, um vento forte levou-lhe a sombrinha preta com babadinhos nas beiradas. Mesmo sem a sombrinha, todos os dias, ao cair da tarde, a senhorita vinha mirar o mar. O sal acabou penetrando no seu vestido único, na sua pele, no seu sangue. E, de tão pesada, ela não conseguiu mais voltar para casa. Passou a noite mirando o mar. Amanheceu mirando o mar. Passou o dia todo. Ficou ao cair da tarde. E foi ficando por mais uma noite, mais um dia, mais um cair de tarde. Foi ficando até transformar-se numa estátua de mulher que olha o mar”.

........ Aproveitando-me da companhia da mulher de meus sonhos e dos respingos das ondas do mar, buscando decifrar pelo menos um de seus segredos, lembrei-me de mais uma história:

“Era uma vez uma princesa que morava numa ilha, em um castelo à beira mar. (Existiram castelos à beira mar?). O pai guardava a princesa a muito mais de sete chaves, para que sua pele se conservasse sempre branca e seus cabelos dourados não perdessem o brilho devido a ação do vento, do sol e do sal. E era da única janela que ficava na torre do castelo, que a princesa via o mar. Do mar, ela só conhecia o quadro que a janela podia lhe mostrar. Ela via navios passando. Grandes e pequenos. Navios que levavam coisas. Navios que levavam pessoas. Iam. Vinham. Para onde? Bandeiras de todas as cores. Via gaivotas voando. Gaivotas beijando o mar. Já haviam lhe contado que elas tiravam peixes de lá. Via a espuma das ondas e sentia desejo de passá-la pelo corpo. De mergulhar naquela espuma que não se cansava de ir e vir. A princesa pedia ao pai para ver o mar bem de perto. O pai afagava seus cachos dourados enquanto levava-lhe, carinhosamente, a cabeça ao peito, dizendo que ainda faltava algum tempo para que ela pudesse sair para ver o mar. Anos se passaram. Interrogado, o pai respondia que ainda não havia chegado o tempo. Um dia, para agradar a princesa, o pai mandou colocar espelhos nas paredes da torre de onde ela ficava olhando o mar. Desde então, através dos espelhos, a princesa via ondas se chocarem em aluvião. Via uma porção de sóis nascendo de dentro do mar. Via uma festa de navios e de gaivotas. Quando chegava a noite, e a luz da lua entrava pela clarabóia, a princesa via dezenas de luas, milhares de ondas prateadas. Ela passava toda a noite acordada e o dia inteiro fascinada com o espetáculo que os espelhos lhe permitiam assistir, até que, tomada pelo delírio, resolveu sair por onde entrava a lua, dando um mergulho profundo e se despedaçando na base do monte de pedras que sustentava o castelo”.

........ Ao caminhar pela praia com a mulher de meus sonhos, gozando da alegria do vento e da suave cadência das ondas do mar, imaginei que, enquanto não conseguisse decifrar o mistério de seus segredos, ela seria a mulher de meus sonhos. E eu sempre teria uma história diferente para lhe contar........

Terezinha Pereira
Enviado por Terezinha Pereira em 15/05/2005
Código do texto: T17017