Sonho

Eu estava no inferno. O inferno não era um lugar feio, ou horripilante, nada disso. Era um alto prédio de escritório, com mármore branco nas paredes, teto e chão, ar condicionado, extremamente limpo e organizado, mas que tinha, no entanto, um aspecto bastante quimérico e confuso, tal qual labirinto, um lugar no qual qualquer um se perderia facilmente. O mais impressionante e doloroso em relação a esse inferno era a vista do lado de fora, um gramado, um lindo céu azul com nuvens enormes e um clube ou cidadezinha pacífica ao fundo, que pressupunha-se jamais poder alcançar.

Eu, tal qual Dante, podia andar pelos andares livremente, mas sozinho, sem nenhum Virgílio/Beatriz ou coisa do tipo. As pessoas estavam presas aos seus andares, compostos por alas de criminosos, ladrões, políticos, etc.

Parei por um bom tempo em um andar que não me lembro qual, mas que continha um parque de diversões infantil, com balões, fliperamas, palhaços, todas essas coisas. Nada parecia assustador, na verdade, bastante convidativo. Adentrei-me e achei vários amigos, conversando, comendo algodão doce e brincando como se tivessem sete anos ou menos. Achei engraçado no começo, mas não me juntei a eles. Monitores, como professores de um passeio escolar, sempre estavam cuidando das pessoas por ali, como se elas fossem completamente imbecis e incapazes de fazer as coisas mais simples, colocavam-nas de castigo, tomavam seus doces quando achavam que estavam comendo demais. Todos ali passavam constantemente por situações embaraçosas, e se envergonhavam dos "monitores". Foi quando percebi uma certa névoa no lugar, acinzentando a tudo, uma espécie de neblina. Entendi todos os porquês daquela situação: aquele era o andar da ignorância, daqueles que fingiam não saber das coisas ou que realmente não sabiam, por opção. Não se ouviam "choros e ranger de dentes" neste lugar. Era, na verdade, o local mais opaco que já tinha visto na minha vida (ou na minha morte?).

Desci daquele andar e visitei as entradas de vários outros, por onde as pessoas circulavam nas partes externas com a já referida decoração de mármore greco-romana ou neo-clássica, mas não entrei em nenhuma outra ala. Quase todos andavam em trajes formais. Fui ao banheiro, um banheiro de escritório (e nada além disso), e desci ao que parecia ser o último andar. A vista pela indestrutível e blindada janela parecia mais linda do que nunca, o sol brilhava forte, ouviam-se as risadas das pessoas lá fora. Esse último andar tinha uma placa que atraía o olhar de qualquer transeunte, trazendo as inscrições "OS ASSASSINOS" em seu pórtico. Outro fato interessante desse andar era que ele era o único que não possuía escadas como meio de acesso ao que seria o "térreo" do prédio; tinha, no lugar disso, um elevador.

Quando terminei de observar e absorver todos os detalhes, parti para tentar encontrar algum botão no elevador. Nesse momento surgiu um homem forte e semi-nu, coberto apenas por uma toalha, que se dirigiu diretamente a mim. Exalava qualquer coisa altamente concentrada de pornografia. Moreno, rosto largo e malicioso. Veio me perguntar se não queria tomar um banho dentro do andar. Que eu estava cansado e que precisava. Por três vezes ele me perguntou e por três vezes educadamente neguei seu convite. Então ele se foi com sua toalha, e o elevador se abriu, fazendo os barulhos e piscando as luzes que todo elevador pisca e faz, mostrando que iria descer.

Avistei várias pessoas descendo a escadaria do andar de cima para pegar o elevador, mas muitas ficaram conversando debaixo do pórtico. Uma loira lindíssima de uns quinze anos se pendurou em mim, já dentro do elevador, perguntando se eu estava bem, preocupada, e nos beijamos. Ela tinha os cabelos mais lisos que já havia tocado tanto na vida quanto na morte, olhos castanhos de pomba, feições suaves e infantis, tanto no rosto quanto no corpo de pêssego, e usava um aparelho nos dentes, detalhe que até agora não entendi e não me fugiu da mente. Perguntei-a sobre os meus amigos que tinha visto em outros andares, e ela disse que eles teriam sua hora de sair dali. Ainda segurei o elevador e chamei as pessoas que estavam do lado de fora, mas todas as que ainda não estavam no elevador disseram que iriam tomar um banho, muitos eram homens, e seguiram o suspeito homem para dentro do andar. Fecharam-se as portas da salvação, e rapidamente descemos.

Ao chegar em solo firme, os sapatos e meias desapareceram, como se só fosse permitido andar descalço pela areia e pelos gramados. Pássaros cantavam e pessoas circulavam despreocupadas pela vastidão daquele local, a maioria de óculos escuros, queimadas de sol, com roupas leves de verão. Andei a esmo de mãos dadas com minha garota e carreguei-a até um banquinho de madeira, em frente a uma quadra de futebol de campo onde dois times jogavam, de coletes, chuteiras e tudo mais que usa um time de futebol (não estava preocupado com o jogo). Nos beijamos novamente e pude reparar melhor naquela misteriosa e fantástica garota que usava um pequeno short laranjado e exibia suas belas perninhas ao sol, uma camiseta branca de um algodão um pouco gasto, que levantei levemente para tocar sua barriga que serpenteava contra mim. Não usava brincos, pulseiras ou quaisquer acessórios; parecia estar totalmente a vontade. O arfar daqueles pequenos e inocentes seios enquantos nos beijávamos seria bem capaz de fulminar, na terra, qualquer pessoa através de um louco desejo. Mas aonde estávamos, os desejos eram luxuriosos, mas muito serenos, e os cabelos loiros-angelicais a me cobrir e purificar de todo o mal que vi e senti anteriormente. Às vezes acho que era minha mulher ideal em plumas douradas de sabedoria e paz.

Conversamos, e novamente perguntei por meus amigos e tive a mesma resposta. Amigas dela chegaram, e marcaram atividades tranquilas como jogar vôlei e churrascos, dizendo que ela não poderia ficar mais nessa vida boa comigo, rindo numa cena cálida, terna, quase indescritível. Todas amigas eram da mesma idade da minha garota. Concordamos em ir aqui e ali, não me lembro mais, e olhamos as nuvens e o céu juntos, naquele eterno ápice da tarde, e nos levantamos do banco de madeira para devolver uma bola que havia escapado da quadra a nossa frente.

Acordei.