Moça de bicicleta

Eu caminhava. Ao meu redor um trilhão de flores púrpura. Meu cabelo, que não é muito de balançar, voava ao vento. Meu vestido floral era amarelo e vermelho, de tecido leve e de corte simples, apesar de marcar com precisão a minha cintura, da qual eu bastante me orgulhava. Uma imensa plantação de flores púrpura. Uma multidão imensurável de homens compraria cada uma daquelas flores em uma floricultura e fariam com elas buquês para presentear a namorada, ou guirlandas para seus mortos. Eu ali no meio daquele tranqüilo mar púrpura era mais viva do que jamais fui. Saindo da plantação, montei minha bicicleta de moça e corri no caminho de volta, sozinha.

Era a primavera de 1956 e eu tinha 17 anos. Ao cair da noite eu estava exausta. Um banho quente em minha banheira, com a água aquecida no aquecedor a carvão, um pentear de cabelos olhando pela janela que dava pr’um céu estrelado, um deitar em meu confortável e cheiroso colchão de capim, e tudo estaria bem.

Foi então que fui pega de susto, no que poderia ser o intervalo entre o primeiro e o segundo sono – mas fora muito mais que um simples e corriqueiro intervalo entre sonos –, com a luz púrpura que surgia de baixo do meu cobertor. Levantei o cobertor, assustada, e vislumbrei o inacreditável. A luz parecia estar dentro do meu ventre. Eu já estava certa de que a luz estava dentro de mim. Sem saber o porquê, e nem de onde tirei aquela coragem, tive a iniciativa de abrir minhas pernas. Páhhh! A luz púrpura encheu todo o quarto. Quem estava nas casas na parte mais alta da colina podia ver a potente luz desta cor que emanava com intensidade de uma das singelas janelinhas da casa de madeira onde eu morava. Fiquei sabendo depois que um senhor que lá de cima observava o fenômeno dissera à sua esposa: “– Com certeza isso é coisa desse pessoal do cinema”.

Passados 53 anos do ocorrido, passados meus amores, passados meus sonhos, passada minha inacreditavelmente curta juventude, volto, na companhia de minha única neta, ao lugar onde vivera minha infância e adolescência. Antes de subirmos a serra paramos a velha pick-up frente a uma lojinha de antiguidades. Compramos uma bicicleta de modelo antigo. Perfeita. Bonita. Depois de tomarmos um café e comermos torta, passamos também – já de posse da bicicleta que ela empurra delicadamente pela calçada – em uma modesta floricultura. Compramos um pequeno buquê de flores púrpura. Subimos de carro a sinuosa estradinha. Lá no alto eu digo: “– Aqui paramos”. Minha neta então pergunta, segurando a bicicleta pelo guidão: “– Quer experimentar, vó?”. Respondo: “– Oh, não! Isso seria demais pra mim. Vá você!”. Peguei uma das flores púrpura, coloquei no cabelo dela e disse: “– Vá!”.

Vendo agora minha linda neta com seus alegres 17 anos montada na bicicleta que acabamos de comprar, indo em direção à tradicional fazenda de flores... Penso agora que a felicidade é quase triste – quase. A felicidade é uma cor.

*