Vinhos, amores e dissabores

Lucas Sanviotti, 35 anos, advogado. Preferia as causas trabalhistas, mas vasculhava em todas. Mantinha uma sala no centro da cidade onde recebia as mais diversas pessoas e, obviamente, executava o seu trabalho.

Casado há 3 anos com Caroline Andrade Sanviotti, 32 anos, licenciada em letras, pós-graduada em comunicação (jamais atuou como professora). Fato, aliás, comentado por invejosos e desocupados: “... estudo jogado fora ... mas tem marido poderoso...”. Levava uma vidinha interiorana, embora tenha morado na capital até se formar. Tinha um círculo pequeno de amigos, trajava-se bem, dentro dos moldes regionais, sem muitos exageros. Tinha às vezes vontade de extrapolar seus conceitos: ir a bares com mais freqüência, acompanhada apenas pelas poucas amigas, deixando-se ser vista por aqueles olhos maldosos, sem se importar.

Mesmo não exercendo a profissão de professora, jamais permitiu que os gastos pessoais ficassem a cargo marido. Elaborava discursos para alguns políticos da capital, escrevia quinzenalmente uma crônica para um jornal de grande circulação no estado, preparava algumas monografias. Destes afazeres, fruto de influências políticas de seu pai, podia saciar suas comodidades pessoais: roupas e um bom vinho ( em casa, claro, já que em bares ocorria raramente quando o marido... ).

Lucas voltava do trabalho entre 18:00 e 19:00 h. Cumprimentava Carol e numa mesa a um canto da copa estava seu notebook ligado, uma jarra de suco ( sempre de abacaxi ), alguns biscoitos. Carol sentava-se ao lado, às vezes, à espera que houvesse algum diálogo. Ao contrário, os processos tomam-lhe toda a atenção, tornando Lucas um ser automatizado. Com certa frustração, Carol se afastava sem pronunciar comentários. Ia assistir a um filme, ler algum livro ou adiantar seus compromissos.

Lucas cumpria o ritual até às 23:30 h. Levantava-se da cadeira, alongava os braços e rumava para o banheiro. Banho tomado estava pronto para se deitar. Algumas vezes buscava Carol para um sexo rápido, pois, o amanhã urgia, comentava.

De segunda a sexta-feira despertavam às 7:00 h. Carol preparava o café enquanto Lucas se vestia com certo cerimonial. Lucas sempre tomou o café em pé; achava que se assentasse chegaria atrasado ao escritório ( escritório próprio, com apenas uma secretária... ).

Numa sexta-feira, pela manhã, Carol preparou todo trabalho, o qual deveria enviar por e-mail até às 16:00 e sentiu uma vontade imensa em procurar uma das poucas amigas. Precisava se distrair, conversar ou apenas estar com alguém. Mas antes precisava passar no salão, além das unhas já era data da dolorida depilação. Não se admitia deixar os cuidados pessoais para segundo plano. Foi ao quarto, se trocou e parou por um instante se olhando no espelho: cabelos bem tratados castanhos muito claros quase loiros, olhos azuis-esverdeados ( lembrou-se neste momento de Machado de Assis – olhos garços ) - sorriu intensamente de ter buscado tão longe as cores para seus olhos; 1,68 m de altura, cintura bem modelada, coxas torneadas, lábios carnudos, batom discreto e um sorriso espontâneo e lindo. Sentia-se bonita, mas faltava-lhe algo. Preferiu espairecer aqueles pensamentos desnecessários (ou fundamentais... ) e chegar logo ao salão.

Vestida discretamente como garota de 25 anos, saiu. Ouvia quando passava por onde estava uma turma de homens conversando, gracejos e piadinhas: “...bela mulher... é a gata do doutor...”

No percurso, lembrou-se de Júlia que morava na Capital, mas estava de férias na casa dos pais. Era dentre as poucas amigas a de maior destaque, haja vista que apesar de conterrâneas, estudaram na mesma faculdade e sempre foram confidentes. Sentiu saudades. “Vou ligar para ela, tão logo saia do salão, pensou”.

O salão tomou-lhe quase toda a tarde. Foi a uma lanchonete comer alguma coisa, antes de ligar para Júlia. - Agora posso ligar, pensou.

- Júlia?

- Oi!

- É Carol, querida! Como está você?

- Tudo bem, Carol, estou com saudades de você!

- Eu também Júlia. Estou louca para te encontrar. Onde você está?

- Na casa de meus pais, Carol!

- Podíamos dar uma saída para conversar, o que acha?

- Pra mim tudo bem, Carol!

- Estou indo para sua casa.

Carol parou o primeiro taxi e foi à casa de Júlia. Trocaram beijos, abraçaram-se. Júlia pediu que ficasse com sua mãe enquanto se trocava. Carol ficou aos papos com Dona Vicência, que tinha pela amiga de Júlia o mesmo sentimento de filha.

Júlia apareceu bonita como sempre, apesar de seus 32 anos. Despediram-se de Dona Vicência e postaram-se à espera de um taxi. Carol estava radiante em rever a amiga, e a recíproca era verdadeira. Sempre mantiveram verdadeira amizade. Consideravam-se quase irmãs.

Foram a um bar recentemente inaugurado, mais afastado e, por isso, muito agradável. Carol pediu inicialmente uma água mineral e Júlia acompanhou a amiga. Pretendiam mais tarde tomar um bom vinho. Tomaram a água e chamaram pelo garçom. Perguntaram-lhe se tinha um bom vinho e ele com muita cortesia tratou de trazer o cardápio: pediram uma garrafa de um vinho chileno que Carol conhecia muito: “ realmente delicioso, murmurou Júlia”.

- Conte-me de sua vida Júlia, disse Carol ansiosa e risonha.

Carol sempre parecia risonha e feliz. Era muito difícil saber quando estava na pior. Carol olhava a amiga e insistia: vamos conte-me dos seus amores e sucessos.

- Minha amiga Carol, estou muito bem: trabalhando, estudando e fazendo algumas coisinhas que gosto, como você conhece. A vida está bem organizada...

Carol interrompeu Júlia. – Ainda está com o Edson?

- Não, Carol, não estou mais. Nosso relacionamento acabou logo depois que você se formou e optou por se casar. Não que tenha alguma relação. Claro que não. Edson tinha outros planos de vida e começou a me cobrar demais. Não suportei. Numa manhã de sábado chamei-o em minha casa e conversamos abertamente. No entanto, hoje, ele e sua esposa, Sandra, são meus amigos.

- Mas está sozinha? Indagou Carol.

- Não. Conheci Leonardo e acho que encontrei a minha cara-metade. Ele é um professor de física e me respeita profundamente, além de me paparicar: o que adoro, você sabe! No sábado que vem virá me ver e farei questão que você o conheça.

- Fale-me de você Carol? Lucas está bem? Insistiu Júlia.

- Júlia, querida! Tem alguma coisa acontecendo ao Lucas, incomodando-o. Aquele rapaz solícito, atencioso que você conheceu não mais o é. Dialogamos muito pouco. E pior: vida de casal tem me decepcionado sobremaneira. De segunda a sexta-feira Lucas está envolvido com o trabalho. Aos sábados, pela manhã vai ao clube jogar peteca com os amigos. Volta depois de 3 horas da tarde, dorme. Raras vezes saímos à noite. Estou entediada. Não foi isso que procurei num relacionamento: queria ser ativa, presente e, obviamente, amada, como anseia toda mulher. Por vezes imagino que talvez eu seja a culpada de tudo isso, por ter permitido o início. Confesso-lhe, querida amiga, que não estou em paz. Não sei qual rumo tomar.

Carol suspirou e sentiu que o encontro merecia outros assuntos. Tratou de mudar logo o assunto.

- E a faculdade, indagou Carol a Júlia, na tentativa de afastar de assuntos conjugais.

- Carol, estou tentando agora um mestrado. Não que eu pretenda lecionar, apenas enriquecer meu currículo.

- Em qual área, Júlia?

- Em comunicação mesmo, respondeu Júlia com certo orgulho.

Esqueceram-se das horas e já passava das 22 h. Chamaram o garçom e Carol fez questão de pagar toda a conta. Despiram-se, acertando que se falariam no outro dia por telefone.

Carol chegou em casa e Lucas ainda ao computador apenas levantou os olhos e perguntou-lhe:

- Onde você estava Carol?

- Fui encontrar Júlia para nos divertirmos um pouco.

- Se divertiram, perguntou Lucas?

- Sim, muito! Colocamos toda conversa em dia, respondeu Carol, animada e avermelhada ( efeito visível do vinho ).

Lucas levantou-se da cadeira e chamou Carol.

- Tenho que comentar com você uma coisa, Carol.

- Pode comentar Lucas!

- Sabe aquele amigo meu engenheiro civil, o Alexandre?

- Sim. Lembro-me muito dele. O que tem ele?

- Como estou com muito trabalho no escritório, justificou Lucas, convidei-o para trabalhar comigo. Ele tem muita agilidade em informática, organizado, discreto. Tenho certeza que será um excelente colaborador.

- Mas, Lucas o que um engenheiro civil sabe sobre leis, doutrinas, defesas, audiências. Enfim, são profissões completamente opostas. Sinceramente não consigo entender em que poderia te ajudar. Acho, inclusive, que se procurasse um recém-formado em Direito obteria melhores resultados. Mas se pensa assim, não protesto a parceria, mesmo achando incoerente.

Finalizaram o diálogo e foram dormir.

Acordaram em torno de 8:00 h. Carol preparou o café. Como era sábado, Lucas iria para o clube e voltaria somente depois de 3 horas, impreterivelmente. Nunca a convidava, as poucas vezes em que foi: - se convidou. Mas naquele dia, depois das conversas, não queria se humilhar e se convidar. O orgulho próprio estava em alta naquele dia. Certamente arranjaria algo interessante para fazer: assistir a um filme ou sair andando sem compromissos. Certamente escolheria esta, pois, estava meio cansada de filmes, livros.

Logo após a saída de Lucas, Carol iniciou a caminhada descompromissada. Escolheu as estradas mais afastadas para apreciar a natureza. Caminhou horas até que o estômago deu sinais de que necessitava de uma boa alimentação. Portanto, tinha que voltar e escolher um bom lugar para almoçar. Lembrou do lugar em que esteve com Júlia na noite anterior. Pensou até em convidar Júlia para o almoço, mas preferiu não fazê-lo. Afinal, Júlia estava de férias e certamente almoçar com sua família seria mais viável. Almoçou e foi para casa.

Estava quase tomada a decisão que voltaria a estudar. Toda aquela monotonia, a radical mudança de Lucas, o relacionamento abalado, tudo isso contribuiu para que houvesse uma mudança em sua vida. Afinal, sempre fora ativa e jamais aceitou a submissão a qualquer coisa. Aliás, não tem lembrança desta ocorrência em outras épocas. E, como mulher bonita, inteligente e perspicaz que era não poderia jamais aceitar o que estava acontecendo. Ia dar um jeito naquilo, da forma que estava era inaceitável. Se Lucas estivesse tendo um caso extraconjugal, também estava preparada. Ficaria evidente que não teria proporcionado a Lucas, o que ele como homem buscava em uma mulher. Pensou repentinamente em Fernanda, a secretária de Lucas. “Fernanda é linda, 24 anos, educadíssima, inteligente, cursa o 7º período de Direito...” Algumas vezes notou o tratamento que Lucas dispensava a Fernanda, que muito feminina retribuía. Mas talvez fosse apenas por delicadeza ( ou talvez houvesse... ). Sentiu-se deprimida, mas preferiu pensar em outras coisas.

Engenheiro civil em escritório de advocacia? – Indagou a si mesma. Era no mínimo estranho. Não tinha nenhuma correlação Direito com Engenharia. O que Lucas planejava com aquilo... mas o escritório é dele e não seria oportuno, nem sensato opinar...

Voltaria sim aos estudos. Mesmo que houvesse por parte de Lucas uma oposição. A capital estava a apenas 42 quilômetros, o que possibilitava a ida e volta. Intentava o curso de comunicação, estava na sua área de atuação o que facilitaria os estudos e, também adorava escrever. Comunicaria a Lucas sua decisão em caráter irrevogável.

Lucas chegou e Carol já preparada foi comunicando sua decisão: voltaria a estudar e já estava definido. Imaginou que houvesse alguma reprovação por parte de Lucas, mas se surpreendeu quando Lucas a parabenizou pela iniciativa. E disse ainda que caso necessitasse de algum apoio financeiro se colocava, a partir daquele momento, a inteira disposição. Com isso, Carol sentiu-se como uma adolescente recebendo aquele apoio. Passou toda a tarde irradiante. Convidou Lucas à noite para sair, o que foi prontamente aceito. Divertiram-se muito. Naquela noite o relacionamento sexual foi o melhor de vários meses. Teve orgasmos como há tempos não tinha. Era um bom sinal, parecia estar melhorando aquele relacionamento que vinha se desgastando com o tempo. O que havia pensado de Fernanda não tinha sustentação naquele momento. Certamente não havia nada entre Lucas e ela. Foi apenas imaginação infértil, concluiu em pensamento.

Durante a semana até mesmo a crônica escrita para a publicação quinzenal no jornal mereceu um telefonema do editor, parabenizando-a. Na quinta-feira teve outra grande satisfação: um jornal do Rio de Janeiro convidou-a para ser a responsável por uma coluna social. Aceitou, mas ficou com um aperto no coração. “Não sou jornalista, apenas uma licenciada em letras, pós-graduada em comunicação”. Mas pensou: “se me convidaram é sinal que tenho a competência e, com certeza, não os desapontarei...”, tinha até um romance rascunhado, entre alguns contos, crônicas diversas”.

Na sexta-feira ocupou-se todo o dia trabalhando, preparando para voltar às aulas e a nova função no jornal do Rio de Janeiro. Mas à tarde tomaria seu vinho. Afinal, merecia um momento de relaxamento. Mesmo que Lucas não a acompanhasse, o que seria mais provável, se entregaria à tentação de uma boa degustação. Adorava seu vinho e disso não abria mão. Ademais, estava muito alegre com tudo que estava acontecendo: ter o trabalho valorizado por profissionais das mais altas estirpes sociais.

Lembrou-se que naquele sábado Leonardo viria visitar Júlia e gostaria muito de conhecê-lo. Lucas já havia saído para sua rotina de sábado. Foi ao quarto, vestiu-se, ligou para Júlia que já a aguardava. Conheceu Leonardo e encantou-se com ele: educado, inteligente, não era bonito, mas tinha uma expressão tão agradável que o tornava de boa aparência. Conversaram sobre assuntos inúmeros, gargalharam e, por fim, almoçaram juntos, regado àquele vinho que desta vez Júlia fez questão de escolher ( bela escolha: uma delícia... ). Contou, na oportunidade, sua decisão em retornar aos estudos, o convite do jornal do Rio de Janeiro e o apreço recebido pelo editor do jornal, para o qual escrevia quinzenalmente as suas crônicas. Leonardo disse ter lido a crônica e a achou magnífica, bem elaborada, de uma sagacidade invejável. E a tarde foi consumida sem que percebessem. Carol precisava ir embora, estava aparentemente bem com Lucas e não podia extrapolar certos princípios sociais. Estava casada e não tinha lhe passado pela cabeça a possibilidade de ver tudo acabado ( ou tinha, mas preferia se iludir... ). Estava mais a frente agora: sua profissão, os estudos, a responsabilidade em preparar uma coluna tão complicada: teria que viajar... falar com pessoas, entrevistá-las, conhecer lugares e ver coisas diferentes. Ia ser muito bom, estava certa, mas muito ansiosa. Seria tudo novo. A sua vida estava se transformando e isso trazia uma coisa gostosa na alma. Era importante e já não lhe importava tanto os olhos maldosos de pessoas que a viam com instrumento sexual: “estudo jogado fora... mas tem marido poderoso”. Era tão importante quanto o marido. Não precisava ouvir esses insultos e engolir em seco. Mantinha-se e se necessário fosse manteria uma família com seus ganhos e, o melhor de tudo: a valorização de seu trabalho.

A data da inscrição ao vestibular de comunicação se aproximava. Pensou com certo orgulho de adolescente: “vestibular de novo? Sim, estava pronta e muito contente da decisão que tomara”. Iria novamente estar com aqueles “doidões” amáveis e amigos. Como já havia passado em um não tinha o que temer. Tudo daria certo. O pai sempre a ensinou que “para dar certo depende tão somente de nós e mais ninguém...”. Matriculou-se pela internet, pagou o boleto e leu algumas apostilas.

Na véspera das provas comunicou ao Lucas que necessitaria do carro. Lucas passou as chaves, perguntando-lhe ainda: se preferisse ele a levaria. Carol, no entanto, preferiu isso sozinha dirigindo o carro e sua mente. Avisou-o que não voltaria tão cedo, pois precisava rever uns amigos na capital. Levantou cedo, preparou-se e partiu. Chegou, fez a prova e quando foi pegar o carro no estacionamento: este não funcionou. Chamou o mecânico que constatou que a correia dentada havia arrebentado e que o veiculo não poderia rodar. Não tinha como visitar os amigos sem o carro. Eram vários e em diversos lugares da cidade. Resolveu pegar um taxi e voltar para casa. Os amigos, em outras oportunidades, agendaria as visitas. Deu sinal para o primeiro taxi que passou e partiu. Não teve tanta sorte: o taxista, um senhor metido a socialista, com argumentações infundadas, sem nexo, pouco inteligentes. Em resumo, um homem aparentemente descontente com a própria vida, descrente com Deus e todo o sistema de governo. Realmente, um senhor chato e arrogante. Encheu sua cabeça com tanta besteira que teve vontade de pedir-lhe que se calasse, ou estudasse um pouco mais sobre tudo que falava. Afinal, não tinha que ouvir aquelas balelas, apenas o contratou para conduzi-la, nada mais. O homem falava do papa, do presidente dos Estados Unidos e da crise financeira mundial. Sobre o papa reverenciava a João Paulo II, ao presidente dos Estados Unidos “Jorge Bush”, e a crise financeira toda a culpa estava na guerra que os Estados Unidos deflagraram no Iraque e que.... Que saco! Precisava de algo que amenizasse aquela situação. Pediu ao taxista que parasse no próximo posto de gasolina. Comprou duas latinhas de cerveja ( não gostava muito, mas...), foi ao banheiro e continuaram a viagem. Estava próximo, mas parecia que estava ainda do outro lado do mundo. Marcaria aquele rosto para que em outras necessidades, dispensasse os seus serviços.

“Até que enfim, chegamos, alegrou-se em silêncio!” Pagou e sequer teve estômago para agradecer aquele senhor. Pensou por um instante: como seria o relacionamento daquele senhor com os filhos e esposa: - Um saco, não teve dúvidas.

Olhou a frente de sua casa, fato, aliás, pouco comum nos últimos tempos. Não tinha esse hábito. Olhou mais um pouco e entrou. Ao fundo ouviu uma música, a qual gostava muito: Bob Dylan. Observou cada canto e cada objeto da decoração: “bobagem, pois as vejo todos os dias...”, mas lhe dava prazer naquele momento. Chegou à sala de jantar e ouviu gemidos. Assustou-se. De onde vinham? “Indagou-se”. Lucas certamente não estava em casa. Continuou adentrando.

Tamanha surpresa ao perceber que os gemidos aumentavam a cada passo. Não bastava aguentar aquele taxista chato e metido a socialista com princípios extremos e fora de lógica. Tinha a certeza: - estava ouvindo gemidos. Vivia um ótimo momento: Lucas lhe parecendo mais amável, cumprindo certos protocolos no relacionamento. A música de boa qualidade continuava, mas os gemidos eram mais fortes que chegavam a abafá-la. Pareciam gemidos agradáveis, o que a confortou, momentaneamente. Avançou um pouco com certa facilidade, afinal era a sua casa. Olhou, no corredor, sua estátua preferida, presente de Júlia. Os gemidos vinham do seu quarto. Parou. Entre os intervalos da música, ouvia gemidos interruptos. Postou-se à porta de seu quarto. Fechada. Pode então ouvir com mais nitidez os gemidos. Realmente, vinham daquele quarto. Pensou por instante em Fernanda. “Seria ela naquele quarto? Indagou a si mesma”. Mas logo imaginou que Lucas não seria tão cafajeste a usar de tanta baixaria, poderia fazê-lo, mas em local próprio e resguardado. A dúvida pairava: entraria ou não naquele quarto? “Mas que droga, pensou: - o quarto é meu e ainda tenho que me desgastar imaginando se entro ou não?” Será que aquela semana maravilhosa em que estava vivendo, não passava de uma ilusão? Não tinha religião, mas cria fielmente em Deus e tinha Jesus Cristo como um grande “homem”. Frisava sempre: o único. E os gemidos não se intimidavam com a sua presença, embora ainda à escondida. Como mulher e ser humano, notou que aqueles gemidos tinham relação direta com algum prazer: - sexual o mais provável. E a vontade e a incerteza em abrir a porta lhe partiam o coração, embora estivesse preparada para tudo. Todas as ocorrências em sua vida valiam mais que qualquer outra coisa. No ímpeto, levou a mão à maçaneta. Não a abriu. Segurou-a por instantes. Enquanto isso, os gemidos amiudavam-se numa sensação de finalização. Estava decidida: ia abrir e enfrentar.

Numa ação rápida abriu a porta. Não acreditou a princípio naquilo que estava à sua frente. Chegou a imaginar que a decisão em dar uma reviravolta em sua vida tinha sido precipitada. Tinha a certeza que o que estava presenciando nada tinha a ver com a realidade. Pensou rapidamente em quase tudo, inclusive a “merda” de casamento. Por que não continuara seus estudos na capital, seus projetos, sua vida: - fez uma rápida retrospectiva. Não, esta droga de “amor” a cegou e fê-la tão envolvida como outras tantas. E o que estava vendo não era real, precisava procurar um médico urgente ou alguém que a ajudasse entender.

Na havia tratamento que mudasse aquela ocorrência, tampouco alguém que tivesse dificuldade de entendimento: Alexandre penetrava Lucas como se deflorasse uma ninfeta sedenta de amor. Era real. Lucas a olhou e tentou recuar, sem dizer palavra, contrariamente a Alexandre que baixou os olhos. Carol olhou por mais alguns minutos e voltou-se rumo à saída. Mirou mais vez a frente daquela casa que lhe trouxera prazeres e alguns dissabores. Lucas tinha sido na última semana um grande homem: compreensivo, amável e até conseguiu fazê-la se sentir mulher por curto período. Mas esperava vê-lo, sinceramente com Fernanda. Sim, esperava. Jamais aquela cena em seu quarto, o qual, aliás, não mais a pertenceria. Sentiu-se, por um instante, inútil, ridícula e enojada. Tinha a sua frente agora os estudos, a coluna do jornal do Rio de Janeiro e a sua vida.

Vasculhou a bolsa, ainda com os olhos fixos na fachada da casa, pegou o celular e ligou para o taxista em sua agenda, o qual sempre lhe atendia. Agenor imediatamente se prontificou a prestar-lhe os serviços. Carol pediu-lhe que não tinha pressa e que certamente pararia em algum lugar para tomar um vinho. “Precisava de uma taça de vinho, preferencialmente sozinha, concluiu em pensamento”. Afinal, o amanhã urgia e tinha vários compromissos a cumprir: - a vida tinha mudado...