Longas horas

Olho para o relógio. Ainda salivo teu gosto indefinido, enquanto aperto os lábios doídos de tuas mordidas. Respiro ofegante um ar impregnado de coisas que até então desconhecia.

Não posso crer... Mergulho no medo... Experimento sensações estranhas, sentimentos confusos. Será que ironiza de mim essa coisa irreal chamada destino? Será que perdi o comando e não sou mais dona de mim?

Tem origem no berço o sangue frio que me corre nas veias... O gosto instigante pelo perigo... A frieza glacial imponente e desconcertante. Trago em mim lições mórbidas da infância... Aprendi a conter emoções, às vezes ignorá-las, outras, se quer percebê-las... Somente os fracos são pegos nas armadilhas pueris de tolos sentimentos... Meu olhar fixo e distante é lâmina afiada a cortar em pedaços a alma alheia suplicante e carente de mim.

Homens não convencem...

De lábia refinada, percepção aguça, não titubeiam ao primeiro deslize da fragilidade feminina. No jogo da caça encurralam a fêmea indefesa. A desilusão é certa enquanto a conquista é o limite e os vândalos triunfantes erguem aos céus o troféu de mais uma vitória.

Pobres homens. Por mim morreram a míngua.

Ainda ontem, cisnes brancos revestidos de anjos meninos e meninas deslizavam descontraídos no lago azul. Acrobáticas gaivotas barulhentas empunhavam chapéus de jornal, embalavam mimosas bonecas. Extasiavam a vida no giro do carrossel, escancarando fartos sorrisos do alto de seus cavalos alados, ou sobre o dorso de assustadores leões de dentes enormes e jubas espessas.

Dos contos da carochinha, como um dragão de mil tentáculos que emerge das profundezas dos mares, os príncipes do desencanto surgem do nada, reais, medonhos, assombrosos. Horripilantes!

Olho para o relógio. Procuro concretas respostas no tempo. A primeira fresta de sol se faz presente invadindo a penumbra do quarto. O feixe luminoso projeta partículas coloridas que dançam pra mim.

Sim. É isso! Homens podem ser crianças. Brincar de verdade... Se dar de verdade... Ser mais, bem mais que homem e amar de verdade.

Quem sabe o amor se fez criança... Chegou saltitante alegre de purezas infantis, envolveu-me e... Sei lá.

O tempo não passa. Droga! Já não sei de mim.

Cosme Belizário
Enviado por Cosme Belizário em 18/06/2006
Reeditado em 26/06/2006
Código do texto: T178020