VIDA DURA

Ao voltar para casa, depois de um dia de estafantes caminhadas, arfando, o deprimido Teófilo chega em casa, dá um afago em Cleydison, que brinca na sala. Em passos tímidos, de cabeça baixa, dirige-se à geladeira, toma um copo d’água e em visível deprimência exclama:

Elenilda! Mais um dia e nada! Já não agüento mais procurar emprego, bater de porta em porta, me humilhar, oferecer meus serviços e nada! Passei na loja do Juvenal. Talvez mês que vem aparece alguma coisa. Quando estava na parada de ônibus aconteceu uma coisa horrível.

O quê aconteceu Teo?

Não vou contar!

O que foi, Teo? O que aconteceu?

Aquele acidente não matou somente aqueles pobres coitados. Matou também o encanto que eu tinha pela vida.

A coisa tá difícil, Teo, mas não desiste não! Que Deus tenha esses pobres coitados em bom lugar! Chegou a hora deles. A pessoa só morre quando Deus quer! Ameniza Elenilda.

E a esposa de Teófilo continua: - Tá acabando o leite do menino!

Amanhã vou passar no setor de indústrias. Tem uma placa na pista da rodoviária que fala que estão precisando de garçom. Acho que tem que ter experiência. Vou tentar. Acredita Teófilo.

Mas Teo, tu é marceneiro, vai ver eles acham um lugar de marceneiro, diz Elenilda.

É indústria química de material de limpeza. Só se fizerem vassouras!

O marceneiro Teófilo tem um amigo, o Tonhão, que vive dando esperança a todo mundo, mas ele mesmo também está desempregado. Convidou Teófilo para um culto em sua igreja. Ele é um “crente” de uma dessas igrejas que gritam tanto no culto que até parece que Deus não está ouvindo seus clamores. Na verdade, Tonhão sabe que as pessoas é que não se ouvem a si mesmas.

Tonhão, sempre animando José, assevera que se ele tiver fé, com certeza vai conseguir um emprego. Ora, o Tonhão conhece a situação de penúria por que passa a família de Teófilo: Elenilda, mulher de dezoito anos que mais parece uma sofrida senhora de quarenta e sete, afeita aos afazeres domésticos, tem descontrole no fluxo menstrual, e vez por outra tem que sair às pressas para o posto de saúde do bairro mais próximo à favela onde moram. Na verdade, ainda sem diagnóstico, trata-se de um mioma cuja solução será a extração do útero. Mas Teófilo, que sonha com outros filhos para, quem sabe, algum possa ser jogador de futebol, ainda não sabe da doença da mulher. O Cleydison, menino esperto de 2 anos, vive a brincar sem saber do que acontece. Só reclama chorando quando lhe demora o mingau feito com leite de soja e uma mistura que a mãe consegue na assistência social da prefeitura. Pena que Cleydison não vai poder ser jogador de futebol, pois nasceu com uma doença conhecida como “Calcanhar de Aquiles”, cuja solução, mas Teófilo e Elenilda não sabem disso. Teófilo, marceneiro desempregado há três anos, não consegue arrumar emprego e o dinheiro que recebeu de seguro-desemprego, só deu pra pagar as dívidas na quitanda, onde Elenilda tira os suprimentos do dia-a-dia. Aliás, seu João, o quitandeiro da esquina, já mandou avisar que não anota mais nada, enquanto não for pago o que ficou faltando de dois meses atrás. Teófilo vive alternando entre procurar emprego e fazer um bico aqui outro lá. Algumas vezes como servente de pedreiro, outras como jardineiro. Noutro dia, o seu Félix da padaria deu uns trocados porque o Teófilo limpou a fossa da sua casa. Também lhe trouxe alguns pães.