PECADO CAPITAL

OBS: Conto premiado em 28.08.2009 - SEEB-RN

A multidão aglomerada em frente à cadeia pública - na praça central de Vila Jardim - comprimia-se em meio ao clamor generalizado. Podia-se vislumbrar expressões de espanto e incredulidade. Um babaréu! Pessoas exaltadas cobravam a soltura de um cidadão, alheias aos motivos de sua prisão. Os bancos da praça serviam de palco à discussão dos fatos.

Aproximei-me cautelosamente, tencionando satisfazer a minha curiosidade. Indagados quanto ao motivo daquela mobilização, solícitos, todos exclamaram:

- João está preso! João está preso! Ao que insisti:

- João? Que João? A resposta foi uníssona:

- João de Dona Glória, homem de bem, bom pai e marido. Sempre foi honesto e trabalhador. É muito querido por todos da vila. Não pode ser verdade! Há algo errado!

Pasmo com a demonstração de afeto ao prisioneiro e alheio ao fatos, abordei "Seu" Zezinho, amigo íntimo da família, que concordou em auxiliar-me. Sentado no velho banco, acendeu um cigarro de palha e após longa baforada iniciou o relato com os olhos marejados, transbordando nas profundas rugas da face. Deu um trago na dor e assentiu:

- Pois bem! João é lá de casa. Sempre teve um comportamento exemplar e nunca fez mal a ninguém. Desde criança, ajudava o pai na produção de queijo - de quem herdara o ofício e a responsabilidade pelo sustento da família, após a sua morte. Não se intimidou. Trabalhou com afinco, construindo vasta clientela. A dedicação culminou em prosperidade. Vencera pela persistência.

João - aquele menino esquálido - chegara ao topo com a mesma postura humilde e cativante que sempre ostentara. Seu Zezinho, deu outra tragada e continuou:

- Pois bem! João sonhava ter o seu cantinho. Uma casa singela e uma família feliz, era tudo o que queria. O destino, conspirando em seu favor, fê-lo conhecer Otília, moça prendada e de bons costumes, que viria a ser a mulher de sua vida e peça fundamental da família. Foi amor à primeira vista. A paixão intensa foi selada no altar, com juras de amor eterno.

Otília, criada por gente simples, não conhecera a própria família, sonho que o marido acalentava realizar. O tempo fortalecia a chama ardente do amor. Reinava no lar um clima de paz e harmonia. Seu Zezinho continuou:

- Pois bem! Otília soube de uma senhora de atributos físicos idênticos aos seus - ao ponto de confundir as pessoas. João decidiu procurá-la. Foram dias de busca, sem êxito.

Exausto da jornada e desanimado pelo fracasso, resolveu regressar. No meio do caminho, parou para descansar à sombra de uma frondosa mangueira e, enquanto vagava perdido em seus pensamentos, escutou vozes. Deparou-se, às margens do riacho, com uma cena que mudaria por completo o rumo da sua vida.

- Não pode ser! Não! Otília nos braços de outro homem, a beijá-lo? Não! Diante dessa cena não se conteve e correu tresloucado em sua direção de arma em punho, gritando:

- Cadela! Você vai morrer, cadela!

Disparou diversas vezes até que viu os corpos inertes no solo. Não se aproximou para evitar testemunhar o trágico fim daquela que fora a sua grande paixão. Montou e galopou veloz rumo a sua casa, onde o filho estaria abandonado, vítima de tão cruel perfídia.

Entrando em casa, deparou-se com Otília, serena, a acalentar o filho. João perdeu o domínio dos sentidos e da razão. O choque lhe petrificara.

Otília caminhou em sua direção, sorrindo de felicidade e comentou:

- João! Tenho uma surpresa tão agradável que você não vai acreditar!

João emudecera. As idéias flutuavam soltas em sua mente. Otília prosseguiu:

- João, finalmente encontrei a minha irmã gêmea! Ela me reconheceu pelas fotos que você distribuiu! Tem mais, ela está morando aqui ao lado, próximo ao riacho.Obrigado por tudo, meu amor! Seremos ainda mais felizes do que ninguém poderia ser.

Perplexo, João se dera conta do terrível engano. Seu castelo de sonhos desmoronara. Sem saida, deu meia volta e, cabisbaixo, caminhou até à delegacia. Fora se entregar:

- Senhor Delegado, sou um assassino! O meu crime é hediondo. Matei a felicidade. destruindo vidas da minha vida. Por favor, prenda-me! O crime destruira o seu futuro. Nada mais restava...

A notícia espalhara-se e Seu Zezinho, solvendo o último trago do cigarro, levantou-se em prantos e caminhou para a multidão que, agora, entoava revoltada:

- Lincha-o! Lincha-o! Lincha-o!

Afastei-me atônito, ouvindo os gritos frenéticos que marcavam o triste final de uma bela estória de amor:

- Lincha-o! Lincha-o!; Lincha-o!

Heliodoro Morais
Enviado por Heliodoro Morais em 14/09/2009
Reeditado em 14/09/2009
Código do texto: T1808999