As Três Ruas

As Três Ruas

A minha vida se divide em três ruas, sendo uma que morei até os dezessete anos, a outra dessa idade aos dezenove e a última onde vivo até hoje. Nos três lugares minha estadia foi vivida com momentos que se alternavam entre bons e ruins como tudo na vida, mas nesses lugares aprendi bastante sobre a vida, foram nelas construído o formato do caráter que tenho até hoje. Pode-se não ser o excepcional, no entanto, o alicerce é sadio. Uso esse caráter para tudo o que faço por essa passagem aqui na terra.

A primeira me viu dar meus primeiros passos, nessa estrada sinuosa que todos nós um dia fazemos, bem ou mal, mas sempre com a intenção de se chegar a algum lugar escolhido por nós mesmos. Ela era uma ladeira forte, mas que para mim não havia problema, pois saberia que logo estaria de novo no aconchego do meu lar. Eu nem sei quantas vezes subi e desci esse morro, mas sempre na volta vinha com um aprendizado novo e diferente sobre tudo, pois a vida é uma escola para quem sabe aproveitar dela as boas lições e isto é o que tento fazer na minha vida até hoje: buscar sempre alternativas para poder melhorar a cada dia.

Os anos ali naquela casa foram se atropelando e eu queria viver muito para conhecer de tudo um pouco. Lembro-me também que sofria bastante por diversos motivos, mas sendo eles super normais para qualquer pessoa, no entanto, eu fazia deles um monstro. Uma situação, que já havia passado quando criança me tornou muito vulnerável a tudo e resolvi mudar a minha filoClaudia de vida: a de não ser mais aquele pobre coitado em que todos faziam de tudo para mim me protegendo de todas as circunstâncias da vida não me deixando crescer para a realidade.

Com isso surgiu em mim uma pessoa extremamente tímida. Nesta época, para me agarrar a alguma coisa, pois, todo o mundo me dava medo, escolhi então o campo musical, não como um grande cantor ou compositor, mas sim, um apreciador de belas músicas escritas e cantadas por uma série muito grande de cantores e compositores de todos os segmentos.

Tive um apoio do meu pai e da minha mãe para ser construído lá em casa uma espécie de estúdio musical onde passaria boa fase da minha adolescência. Todavia trancado naquele pequeno mundo construído por mim e que poucos faziam parte dele, pois eu tinha muito medo de sofrer mais do que já tinha sofrido em outras épocas.

Meus relacionamentos amorosos podem ser contados nos dedos, pois nunca fui de namorar muito, pode ser por medo de tomar um “não” nas minhas cantadas. Então eu não ficava nessa angústia de ter que pegar mulher nova a cada instante e com a minha solidão pude amadurecer bastante

Com o passar do tempo eu ficava mais velho e dava menos valor a determinadas coisas que acabavam comigo. Com isso consegui me libertar de um “vidro” onde ninguém entrava sem a minha permissão, e sem falar que era muito tímido, porém conversava igual a um pobre na chuva dependendo das situações. Dizia muito para não ser interrogado, pois tinha muito medo do meu eu. E atrás daquele escudo me sentia seguro, nunca deixando que aparecesse a candura da pessoa que existia em mim.

Nessa época, já com namorada, meu irmão me chama para conhecer uma prima da sua namorada. Então resolvemos fazer uma festinha na casa de um grande amigo nosso que era seu colega de faculdade na UFMG. Nós convidamos uma meia dúzia de três ou quatro para participarem da tal festa e o relacionamento ali estava muito gostoso quando a mocinha entrou no recinto, a tal decantada prima da namorada. Ela era uma gatinha da minha idade, eu tinha uns dezessete anos já feitos e ela tinha dezesseis ainda, mas era uma doçura de bonequinha pela sua estatura que não era muito grande, mas que pelo tamanho era muito bem dividida e não deixava a desejar a nenhum varapau. Sua voz deliciosa ressoava nos meus ouvidos fazendo que os sininhos lá de dentro tocassem a mais bela canção de amor, embalando-me todo o tempo que estive em contato com ela.

Por ousadia da minha parte, eu procurei as mãos dela para tocá-las e logo depois, segurá-las. Ela, nessa hora tentou se adequar ao formato das mãos e diante da atitude dela via ali começar um caso que não sei onde daria, mas era muito gostoso aquilo tudo. Era um novo mundo que se abria para mim, até então desconhecido cheio de descobertas. Um contato com uma mulher de forma diferente que até então estava acostumado, e isso me encantava, pois a cada dia era uma nova descoberta.

Durante os primeiros seis meses de relacionamento eu tinha de ter assunto, pois não passava disso, mas aos pouco ia fazendo nascer nela a vontade de ser mulher e procurava fazê-lo da forma mais meiga e carinhosa sentindo que gostava muito de tudo aquilo que acontecia com a gente naqueles poucos instantes mais juntos. Durante quase dois anos namoramos em casa. Mas tanto eu quanto ela éramos muitos novos para qualquer outra coisa e então aproveitávamos tudo que tínhamos direito, mas chegava um ponto que tínhamos de tomar uma decisão e por várias vezes quase consumamos o fato.

Um dia tivemos lá muito perto, mas chegou na hora resolvemos não fazer nada, pois não tínhamos condições de assumir qualquer situação na época. Então, de comum acordo, nos separamos, pois se ficássemos perto um do outro tudo poderia acontecer mais uma vez tudo de novo e “a carne é fraca”. Estávamos carentes do verdadeiro amor completo e não podíamos tê-lo entretanto, apesar de não ter consumado esse amor o resto fizemos sem nenhum constrangimento e adorávamos aquilo tudo por ser ela muito mulher e eu gostava muito disso, pois a tinha moldado para ser a minha companheira, fazendo as suas vontades de acordo com as minhas seria então um casamento que não daria zebra de forma nenhuma. Achamos melhor nos separar de vez para evitar um sofrimento maior para os dois porque a cada encontro nosso acontecia alguma coisa e tudo voltava à nossa cabeça.

O tempo passou e entrei numa faculdade, querendo ocupar meu espaço, para ser respeitado pelas pessoas e para poder trabalhar onde me desse uma remuneração maior para aproveitar mais a vida do jeito que achasse melhor.

Na faculdade encontrei uma pessoa que achava diferente do resto das colegas de sala e nisso começei a levar um papo gostoso e sadio com ela sobre tudo e a cada conversa a admiração pela guria aumentava. Um dia ela me convidou para ir a sua casa. O mundo já me mostrava uma porta diferente e entrei fundo nessa história de novo. A primeira vez que ela me disse seu endereço até esfriei por ser do lado oposto da outra, cheguei até a tremer com isso, mas aos poucos fui me acostumando com a idéia, já que ela era uma pessoa que me cativava pelo seu jeito de ser, ora explosiva, ora meiga como a flor mais bela e a esses eternos contrastes fui me apegando cada vez mais. Com isso comecei a fazer parte do seu mundo com tudo aquilo que nela existia.

Vimos surgir uma rua de terra e por causa disso chegava à sua casa com barro até a metade das pernas sendo que a rua era só de um quarteirão, mas sua moradia era no meio dele. E muitas vezes tive de pegar um táxi para andar 500m para não sujar a roupa que usava, pois iríamos sair depois que chegasse lá. Passado um tempo foram construídos dois prédios de casas geminadas. Por causa dessa construção surgiu a necessidade do calçamento para valorizar a obra. Sendo, o proprietário daquele pequeno conjunto de casas um engenheiro e funcionário graduado da prefeitura, tornou-se mais fácil a pavimentação do local. Durante a construção, eu ficava do lado de lá da rua da casa dela atirando com espingarda de chumbinho em determinados alvos colocados para tentar acertá-los.

Naquela época comecei a me enturmar com os amigos dos meus cunhados e por conseguintes com os pais deles. O papo era muito agradável com todos eles por terem um coração aberto e pronto para ajudar a todos que precisavam. A rua era pequena e por isso todos se tornavam íntimos um dos outros. Com isso a vida aqui foi sempre sadia, todos contribuíam para o bem estar coletivo e por mais de dois anos foram comemoradas as festas juninas com quadrilhas e com tudo o que tivesse direito no mês de junho, somente com os moradores da rua e os mais velhos sempre foram os mais entusiasmados com tudo. Mas tudo tem um certo tempo para existir, então começamos amiúde perder algumas das nossas estimas. Os motivos variavam, a nova geração envelhecia, já não tinham os mesmos ideais dos seus pais, pois para cada um a vida mostrava um destino diferente e acabando com aquele convívio gostoso que sempre aconteceu com todos.

Aos poucos a chegada de novos moradores foi dando vida àquele pedaço de terra que antes era um imenso lote vago. Ele servia de abrigo a pequenos animais ou pessoas de má índole que ficavam ali para se aproveitar de um descuido de alguém e tirar proveito de uma situação.

O tempo se passou, mas continuava a dificuldade para conseguirem as coisas pelo fato de ser uma rua só com um quarteirão. Apesar de ser uma rua quase central, pois ficava numa distância da praça Sete o correspondente a quatro quilômetros, a sua voz ficava sem força para se comparar com grandes avenidas que cortavam outros bairros. Ali se tinha um pequeno povoado onde cada um ajudava uns aos outros tornando-se uma grande família. E os patriarcas da rua tomavam a frente das diversas atividades sociais que aconteciam naquele doce quarteirão. Eles eram muito heterogêneos no que diz respeito às atividades profissionais, mas na hora de se agruparem se tornavam uma única voz, falando por todos e os outros seguiam à risca o conselho e as idéias patriarcais.

Mas como tudo na vida tudo tem a sua hora de começar e terminar, pois ninguém é eterno aqui nesse nosso mundo e a partir do momento em que foram ficando mais velhos, as idéias já não eram mais criativas, a força de comando se desfalecia e as outras vozes que poderiam tomar esse lugar nunca quiseram continuar a dividir os pensamentos com os mais velhos. Tudo aquilo que foi construído com muito amor pelos antigos ficaram com os dias marcados para chegarem ao final, não só pela não continuação do povoado e sim pela entrada de pessoas de outras nações, fazendo com que nossas dias de vida fossem se perdendo com o decorrer do tempo.

Escritordsonhos
Enviado por Escritordsonhos em 22/09/2009
Código do texto: T1825332
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