Escritor ?

Caro autor

Agradecemos o interesse em nossa editora. Através de anos de experiência buscamos a excelência e a total satisfação de nossos leitores e colaboradores. Por isso ficamos muito felizes pelo seu interesse em editar sua obra conosco.

Recebemos seu original e, apesar de seu manuscrito ser condizente com a linha editorial de nossa empresa, no momento não dispomos de espaço para publicação de novos autores/obras em nossa grade, que se encontra completa.

Gostaríamos de deixar claro que a não publicação não é relativa a censura ou desmerecimento da obra. O critério de seleção não leva em consideração desmerecimento do conteúdo literário da obra.

Mais uma vez, agradecemos o interesse e deixamos nossos sinceros votos de sucesso e boa sorte em sua caminhada literária.

Atenciosamente,

Departamento de Publicação

Bologo Editora

André senta e aperta a carta entre os dedos. Dessa vez não sente raiva ou vontade de xingar a mãe do editor ou tampouco colocá-lo em um carro preto com quatro encapuzados. “Dessa vez as palavras foram muito cordiais e educadas. Acho que nunca levei um não com tanta vaselina no papel; mais um pouco e não ia nem conseguir segurar a carta de tão escorregadia”.

“Voltemos a prancheta”. O jovem autor se senta na mesa do computador, liga a máquina, espera a inicialização e imediatamente conecta-se a internet. Pega a pasta que estava próxima a cadeira e puxa um caderno com alguns nomes e endereços eletrônicos com algumas observações destacadas.

-Preparar um texto personalizado ou padrão? Ó dúvida cruel...- fazia sarcasmo consigo mesmo.

Abre o editor de mensagens eletrônicas e digita um texto de apresentação. Anexa um arquivo pronto com um resumo da história, anexa o arquivo principal e salva a mensagem como um modelo.

Pega a relação e lê o primeiro nome da lista, personaliza a mensagem. Levanta, vai até a cozinha e pega um copo de água. O dedo sobre o botão enviar titubeia um pouco; repassa o texto da mensagem duas, três vezes.

“Agora vai que dá”.

André tentava publicar seu primeiro livro. Após dois anos escrevendo um romance, tratado praticamente como um filho, crescendo, desenvolvendo e sendo lido, relido, ajustado, reajustado, durante horas e horas, noites, tardes e dias, decidira que agora era o momento de colocar este ´filho´ no mundo, e não deixá-lo guardado na gaveta. Apesar da timidez e medo de rejeição pelos críticos, embora para esses não ligasse muito, mas o pior seria a rejeição pelo público, ele resolveu que era hora de deixar os medos e fobias para trás e investir pesado. “Grandes riscos trazem grandes resultados, chega de cair das nuvens. Agora quero cair do quinto andar do edifício. Se tiver que ser”. Mas ele sabia no fundo, que agora era a hora. Havia postergado por muito tempo essa decisão

Alguns poucos que leram o original gostaram e deram bastante força. Enquanto o pensamento voa conforme o vento, ele replica a mensagem padrão e altera o endereço eletrônico e os nomes na saudação da mensagem.

“Um pouco frio, mas o importante é o livro publicado”.

Durante muito tempo André fez o que lhe disseram o que era interessante. Olhando para trás sempre achou que teve uma postura passiva, sem tomar a frente ou fazer a opção que desejava valer. Sempre teve essa postura entre amigos, família e no dia-a-dia. Agora com essa busca de publicação é uma opção que para ele tem a intenção de um divisor de águas. Quando falou que iria publicar um livro, alguns riram, outros acharam interessante, alguns outros, que não era viável. A família ficou contrariada. “Escritor não dá dinheiro”, diziam eles. “Você se acha um Machado de Assis, Paulo Coelho ou João Ubaldo?” , diziam outros. Isso no inicio o incomodou bastante, e tomou até algumas vezes uma atitude vingativa, publicar o livro por vingança, apenas para mostrar a estas pessoas que estavam erradas. Mas agora era diferente: quer publicar por ele mesmo, sem ter que mostrar ou provar nada a ninguém que não seja ele mesmo. Sem motivos vis como vingança, ego, “um pouco, talvez”, Mas principalmente, para realização pessoal, sem desejar outro pensamento negativo a ninguém.

“Mas às vezes, essas cartas padronizadas com desculpas e conversa fiada dão uma vontade de mandar essa turma pra alguns lugares nem um pouco sociáveis” – Mas deixava os pensamentos negativos de lado e procurava focar em idéias positivas. Enquanto a cabeça ia a mil por hora, André apertava o botão enviar para enviar uma nova mensagem, dando um novo fôlego e esperança a iniciativa de André.

Olha para o relógio e verifica a relação de e-mails. Sublinha os e-mails já enviados e deixa em branco aqueles que ainda faltam ser enviados. Destaca a folha da agenda e coloca em cima do teclado do computador, coloca a máquina em espera, pega o telefone.

- Fala Henrique, meu bom caramarada. Boa tarde camarada, tudo bom ?

- Ô rapaz, que faz?

-Acabei de fazer aqueles contatos que havia falado, e agora estou com um tempo. Vamos dar uma saída pra esticar as pernas

- Certo, mas hoje você paga o lanche certo

-Poxa, logo eu ... –

- André, pára de drama. Você tem que tirar o escorpião do bolso – Henrique ri do outro lado.

-Está bem, você venceu. Vamos no bar de sempre ou vai quere alguma coisa cinco estrelas dessa vez?

-Ué, quem paga é quem diz!

-Engraçado você, hein! Antes não era assim. Devolve André, em tom irônico.

- É a convivência.

- Ok, então vamos lá. Às sete no mesmo lugar, ok?

Ok então.

André desliga o telefone e volta para o computador. Tira a máquina do estado de espera e abre o e-mail. À medida que as mensagens são baixadas o programa toca o sinal de alerta característico, irritante, viciante, mas ao mesmo tempo saudoso. Uma rápida passada de olhos para ver o assunto e o remetente, e algumas mensagens automáticas confirmando o recebimento dos e-mails enviados para a lista de contatos recente.

“Positividade, André. Agora vai” Repetia para si mesmo como um mantra.

André olha a hora, espera a última mensagem baixar, checa que não há nada em especial que exija atenção ou resposta imediata, desliga o computador, puxa uma calça jeans e uma camisa básica do armário, pega o sapato e vai para o banheiro.

 

- Próximo! – Brada a voz atrás do guichê, dentre a multidão e disputando espaço com o som ambiente, ligado em uma emissora popular tocando um pagode sucesso do momento, uma TV ligada com um volume regular que mesclados faziam uma composição nada suave a ouvidos. Junto a isso, a voz das pessoas que reclamavam da lentidão do atendimento na fila do correio.

Janete para diante do guichê, dá um boa tarde amistoso, sem a mesma receptividade da atendente.

A atendente pega a carta pelo guichê, confere o remetente e o destinatário e sem nem olhar para a frente pergunta:

-Simples ou registrada? – Em um modo praticamente robótico, sem nem olhar para Janete.

-Simples.

- São R$ 0,60.

Janete entrega o dinheiro, a atendente carimba a carta e coloca no malote, enquanto meneia a cabeça e quase de imediato chama um novo cliente enquanto Janete mal sai do guichê.

Antes de sair da agência lembra que precisava comprar um cartão telefônico. Olha para a fila e desiste. Vai até a banca de jornal próxima e pede um cartão telefônico. Enquanto espera o troco vê alguns cartões postais com figuras variadas de cidades, flores, animais. Passa e repassa o olhar e resolve comprar alguns para enviar a amigos.

Janete era o tipo de pessoa normal: moderna, nõa em fobia acelulares mas apesar de gostar da comodidade das coisas modernas e eletrônicas, para outras ainda se considerava tradicional. E escrever cartas para amigos mais próximos e parentes era uma delas. Alguns não entendiam essa maneira de Janete. Com a praticidade da internet e comunicação eletrônica, mensagens via celular, alguns amigos ainda perguntavam por que Janete gostava tanto de escrever cartas. Ela não ligava e não pensava muito sobre isso. Assim como escrever, ela também mantinha guardadas todas as cartas, cartões, convites e bilhetes que havia recebido. Era praticamente uma fixação. Não jogava fora nenhuma das cartas,todas muito bem guardadas em uma caixa, que vez ou outra arrumava e relembrava. Sabia muito bem o momento e o estado em que estava quando recebeu as cartas. Algumas vezes rever e reler tais cartas faziam a ela muito bem. Isso lhe dava uma sensação que não sabia explicar, mas que lhe era muito agradável.

Todo o cuidado com as cartas que Janete tinha não era dado aos e-mails. Utilizava este como comunicação profissional, ou seja: puro pragmatismo e necessidade. Ela se sentia livre para criar e se expressar nas cartas. O mundo do papel e caneta é que lhe faziam voar. Enquanto folheava os cartões postais recém comprados, pensava qual pessoa cada cartão parecia para enviar com um pequeno poema; poesia era outra de suas paixões. Tão distraída estava que quase não vê um motociclista que ia a toda para aproveitar o sinal amarelo. Este buzina e berra algo inaudível a Janete, que sente um puxão ao mesmo tempo que leva um susto. Ao ver o motociclista agitando a mão com sinal característico, ela também xinga de volta de maneira tão veemente que faz com que todos que estavam no sinal olhem de maneira atônita. O rapaz que havia puxado Janete, que distraída não viu a moto, também olhou atônito.

- Nossa hein, tão bonita e com resposta afiada.

Janete olha para o rapaz e antes que pudesse devolver a resposta, o moço rapidamente responde.

- Calma, não é cantada; é apenas um comentário.

-Eu não perguntei nada e tampouco pedi nenhum comentário. – Devolve Janete, seca.

- Assim como queria dizer... – devolve o rapaz, com um sorriso fraterno enquanto atravessa a rua, aproveitando o grupo de pessoas que também atravessavam agora com o sinal vermelho.

Janete ainda fica parada durante alguns segundos, sem saber se ria ou se achava uma atitude pelo menos, atrevida, para ela. Quando dá por si, o sinal está para fechar. Corre rapidamente para aproveitar o sinal, que já estava piscando, e no pique desce as escadas da estação do metrô, abrindo caminho com a própria correria em que vinha. Desce as escadas, passa a roleta e ainda tenta pegar a composição que estava parada na estação. Mais uma corrida para pegar um lugar, disputado quase que a tapas e corridas muito próximas das de cem metros rasos, e antes que uma outra mulher cheia de sacolas sentasse, ela senta primeiro, e volta a olhar os cartões postais que ainda segurava, apesar de tudo. Agora com um sorriso um tanto Mona Lisa no rosto, decide qual cartão vai para qual amigo.

Levanta a cabeça e olha para os rostos no vagão do metrô. Cansados, distantes, viajantes. Cada um a seu modo, desligado e tentando fazer o tempo passar de alguma maneira, dentro do vagão. A monotonia da viagem é combatida por cada um a seu modo, e ela observava com um olhar interessado. “Dá pra escrever um livro com isso aqui”, pensava enquanto observava um rapaz dormindo enquanto ouvia um ipod, quase caindo em cima de uma senhora que fazia palavras cruzadas, que para conseguir espaço quase cutucava uma mulher que estava cheia de bolsas. Do outro lado um grupo de engravatados conversavam em alto som sobre as últimas novidades do dia no escritório, como se quisessem que todos ouvissem o quão importantes seriam, ou pelo menos pseudo-interessantes. À medida que observava cada pessoa e cada grupo um filme ia se passando pela cabeça de Janete. Ela sempre gostou de escrever cartas, notas, poesias, bilhetes, e agora se dava conta de uma idéia tão simples e tão próxima que a deixou abosrta em por que não havia pensado nisso antes.

“Por que não escrever um livro? Você sempre foi boa com textos e poemas, então, Janete...o que está esperando?”. A vontade vinha forte como um raio e claro como o sol. Repentinamente estava ficando cada vez mais empolgada à medida que olhava aquele cenário e as idéias borbulhavam. Temas, personagens, tudo o que ela precisava vinha à tona tão rápido que ela mal conseguia se conter de felicidade. Começava a rir consigo mesma. Algumas pessoas olhavam para ela com um semblante de ´o que está acontecendo’? Por que tanta felicidade?”

Nada disso a incomodava. Estava ansiosa para chegar em casa e começar a escrever o livro. “Qual história? Sobre o que escrever?” De súbito uma palavra vem a mente:”Poesia!”. Estava decidido. Janete escreveria sobre o que mais lia e o que mais interessava a ela: um livro de poesias.

O metrô para. Janete desce, sai da área de desembarque, sobe as escadas rolantes a passos largos, e como um jato, segue para o prédio onde mora. Dá boa noite ao porteiro, que mal tem tempo de responder ao mesmo tempo que a porta do elevador se fecha.

Mal abriu a porta do apartamento, largou a bolsa, sapatos e as chaves no sofá. Ligou o computador, correu para o quarto para tirar a roupa, tomou um banho rápido. “provavelmente o mais rápido que uma mulher já tomou”, mas o tempo parecia voar e ela não queria perder tempo. Saiu do banho com a toalha enrolada no cabelo, ligou o computador e enquanto a máquina inicializava, ela trocou de roupa rápida como um raio. Voltou e a máquina ainda estava terminando de inicializar. Mal a música do Windows tocou, ela se apressou em abrir o processador de texto. Ficou encarando a página em branco na tela do computador, posicionou os dedos no teclado e começou a digitar algumas letras, meio que em um mantra. Nada parecia vir a cabeça que fosse apresentável. Digitou algumas palavras, apagou, olhava para a tela do computador e nada a agradava. Foi até a cozinha, pegou um suco e um pacote de biscoitos, colocou alguns em um prato e voltou para a escrivaninha. Ligou o rádio, impacientou-se e desligou o rádio novamente alguns minutos depois. Voltou para o computador e nada.

Pegou a caneta e um pedaço de papel, começou a fazer garatujas e a escrever algumas palavras, que viraram linhas e as linhas parágrafos. Janete saiu do computador, pegou um caderno e foi para o sofá. Ligou a TV e sem prestar atenção no programa de entrevistas que passava no momento, continuou escrevendo. As palavras fluíam e os textos voavam. Empolgada continuou escrevendo. O telefone tocou, olhou para o número no identificador de chamadas; não conhecia então não atendeu. Deixou que tocasse até que desistissem. O ruído do telefone quase passava despercebido e Janete estava envolta em um momento criativo que não era interrompido por nada. O ruído da caneta no papel a deixava feliz, e ela nem percebia a hora passar, e tampouco não estava nem preocupada com a hora. Se deixasse, escreveria até amanhecer, e foi quase isso. Quando se deu conta era quase meia madrugada. Desligou o computador, apagou as luzes, levou o caderno para a cabeceira da cama, deitou-se e foi dormir, com um sorriso alegre infantil e uma empolgação como há muito tempo não sentia igual.

“Hoje aqui, amanhã no país inteiro. Esse livrou vai ser um sucesso!” Janete já sonhava com a publicação da história, sem ainda tê-la terminado.

 

Pegou o celular, as chaves, calçou os sapatos e saiu. Olhou a hora e discou para o amigo. O telefone tocou até cair na caixa postal. Tentou novamente, e a mesma coisa. Mal acabara de rediscar o número e o telefone tocou. O nome de Henrique apareceu no visor do celular.

- Aonde você está cara? – Perguntou Henrique, com o jeito característico de falar, rápido como narrador de jogo de futebol.

- Acabei de sair, estava te ligando. Por que não atendeu?

- Aqui não tocou nada não... –respondeu Henrique, surpreso.

- Poxa, liguei pra caramba pra você, rapaz!

- Vê se ligou o número certo que aqui não tocou nada não, e já estou aqui no ´escritório´.

- Estou chegando aí, fica firme. No máximo em 10 minutos estou chegando. Pode adiantar uma geladinha por aí e deixa o copo me esperando.

- Tá bom, hoje você paga mesmo ... – retruca Henrique, em tom piadista característico.

- Só pra você deixar de ser engraçadinho....vai lá vai. Mas não sou eu quem deixa os escorpiões no bolso soltos e cheios de vontade para morder a primeira mão que entrar nos bolsos. – Responde André em tom brincalhão, mas sério.

- Tá bom, chega logo aqui que tenho que te contar as novidades. Tenho uma parada muito boa pra gente fazer, rapaz!.

- Tudo bem, já estou chegando.

-Abraço.

- Falou.

André olha novamente o número discado anteriormente. “Ih, ele estava certo. Troquei um número aqui. Que coisa! Ainda bem que não atenderam.” Não deu muita bola. Atravessou a rua e foi para o ´escritório’ .

 

O escritório, como carinhosamente se referiam era o bar que sempre se encontravam desde os tempos de faculdade. Essa era a parada obrigatória deles, quando tinham um tempo. Apesar da correria do dia-a-dia e da vida, estavam sempre se contactando. Tinham suas rusgas, mas sabiam como fazer para não abalar a amizade. Na realidade se completavam no jeito de ser e até mesmo nos debates de idéias.

André quando viu Henrique o considerou meio metido a sabe tudo. Durante as aulas que assistiram juntos, Henrique sempre fazia comentários e algumas vezes até deixava os professores encostados na parede, de tão pontual que conseguia ser. Com o passar do tempo foi se acostumando com esse jeito dele e um dia acabaram por cair no mesmo grupo de trabalho em sala de aula. A partir daí começaram a conversar e André descobriu que o outro não era tão metido assim como achava anteriormente. Descobriram coisas em comum, como serem vizinhos de bairro (na realidade moravam em ruas próximas), e acabavam por voltar juntos após o fim das aulas. Mas uma coisa André sempre ficou impressionado e admirado em Henrique: a facilidade deste em conseguir falar com qualquer pessoa, de modo como se fosse conhecido há muito tempo. Vendo por esse lado, agora ficava claro para André que foi isto que acabou quebrando o gelo e a impressão inicial que André havia formado em relação a Henrique. E para morder a língua, agora eram amigos até de saídas, noitadas e até mesmo para impressões sobre mulheres e namoros ocasionais.

Já estava chegando no bar quando Henrique avista André e abre os braços, acenando rapidamente e batendo no relógio. Quando André se aproxima Henrique fala em tom sério, mas com uma pitada de ironia:

-Bonito, hein! Olha a hora meu camarada.

-Obrigado chefe, sei que sou bonito – responde André

-Olha só o cara, cheio de graça. Só por causa dessa vai pagar mais uma. Henrique chama o garçom, pede uma cerveja e outro copo.

-Além dessas tem mais duas que estão na sua conta, viu!

-Tô sabendo agora. Obrigado por não me avisar. Mas agora que já estou na chuva e molhado, graças a você, então vamos escolher alguma coisa pra comer que estou faminto hoje, meu amigo! Mal consegui almoçar hoje de tão corrido que foi o dia.

- Trabalhando duro hein!

-No trabalho tudo bem. A canseira hoje foi fazendo pesquisas e contatos de editoras. Isso está me dando um trabalho. Responde André.

- Ainda com a história do livro? Quando é que sai. Vê se me convida pro lançamento e me dá uma edição de presente autografada, que eu não vou comprar não hein!

-Ô mão de vaca! Vou te falar viu! Tudo bem, você é meu camarada,e ntõa até quebro esse galho. Mas depois vai ter que me arranjar 7 compradores do livro, viu.]

-Sete?! Por que sete? Está de brincadeira ne... Não arranjo nem um quanto mais sete.

- Ah, mas vai ter. Depois, vou ter que vender pra poder te convidar pros lances mais badalados da cidade, não esqueça disso. Vou esquecer do meu parceiro não, pode ficar tranqüilo.

- Todo mundo fala isso agora. Depois que está famoso o segurança não deixa chegar nem a 1300m perto e se bobear até instala detector de pobre na entrada da mansão pra não deixar entrar. Estou sabendo dessas coisas. Esses famosos são cheios de nove horas, e do jeito que você está ensaiando pra ser Chiques & Famosos, alfinetava Henrique.

- Ah é?! Só quero ver, te contrato pra ser meu RP pessoal então, e você fica de olho no radar anti-salto alto, certo?

- Paga bem? Trabalhar de terno? Paga vale combustível e auxílio alimentação? Você sabe que só aceito salário acima de cinco mil Reais, ok?

- E depois você fala que o metido a artista aqui sou eu; quem está cheio de exigências aqui é quem??? – Responde André.

- Claro! Tenho que valorizar o passe, né não, negão! – Replica de imediato Henrique, abrindo os braços de maneira expansiva e sorriso aberto. Gargalhada na mesa. O garçom chega com a cerveja e o copo.

- Ô meu bom, tudo bem? Poderia trazer uma porção de galeto e batata-frita? – Pede André ao garçom (que também já era mais que conhecido por eles de tanto que iam a esse bar). Dessa vez o garçom olhou impressionado e parou que por um segundo para anotar o pedido.

-Uma porção de cada um? Perguntou para confirmar.

-Isso mesmo, pode trazer as duas que a fome é negra.

-Meu amigo, você é magro de ruindade hein! – Henrique replica, tirando um riso suave do garçom, que olhava por cima do bloco enquanto anotava o pedido.

-E a fome é braba, viu. E se bobear isso é só a entrada e depois a gente pede essa pizza aqui. Responde André num tom de voz algo entre meio sério e brincalhão.

-Cara, comecei a disparar uma nova rodada de mensagens para os contatos. Está na hora de terminar a coleção de cartas resposta padrão e ter algo concreto. Sinto que está na hora de transformar essa história em livro. Já está há tanto tempo guardada na gaveta que até as traças já sabem a história de cor e salteado e nem se interessam mais em roer o original.

-A coisa ta assim é? – Então deixa que levo pras traças lá de casa lerem e ver o que elas acham. – Responde Henrique, dando um tapa de leve no braço de André.

-Hoje você está demais hein...o que aconteceu? Tá apaixonado, acertou na mega-sena ou o que?

-Ora camarada, não te disse que tinha tido uma idéia genial? Então! Isso me deixou muito animado!

-E que idéia é essa?

-Já pensou em se tornar empresário?

-Empresário? – Retorna André

- Isso mesmo! A gente pode abrir uma firma de entretenimento.

-Como assim?

-Cara, olha só. A gente abre um escritório de entretenimento, ou seja: trabalhar com promoção e produção de eventos, pesquisa de mercado e se for o caso, até mesmo marketing e divulgação. Com isso vamos juntar tudo o que sabemos fazer e cá entre nós, o que entendemos bem! O que você acha? Dá samba ou não dá?

-Do crioulo doido ne... responde André, meio devagar, ainda processando a informação.

- Rapaz, olha só. A gente vai se dar bem nessa. Começamos pequenos, um escritoriozinho, aqui perto mesmo ou no Centro, poucos funcionários e à medida que formos pegando os projetos a gente vai contratando o pessoal, conforme o projeto. Você já fez pesquisa não fez? E vai me dizer que é desse jeito que eles fazem a coisa. É ou não é?

- Tá certo, é assim. Mas e para batalhar a clientela. Você tem algum cliente já em mente ou para esse início seria ao estilo antigo: colocar o rosto a tapa?

-É por aí, mas também pensei em tentar colocar como primeiro cliente a minha patroa, lá do instituto. Responde Henrique, animado.

-Mas ela é instituto de pesquisa. Não é ela mesma quem desenvolve o marketing dela? – Pergunta André, cético.

- Que nada! Quem faz é um amigo do sobrinho que estuda design. Mas o moleque só entende de fazer o material, não de organizar uma ação estruturada de marketing. E é AÍ que entramos nessa história! – Continua Henrique, cada vez mais empolgado. Ofereceremos a ela o serviço completo! Não somente produzir os materiais, mas também uma estratégia de ação para divulgação e distribuição nos canais específicos que seriam mais interessantes para ela. E assim vamos. Claro que nessa parte estamos atuando como uma agência, que eu conheço bem, já trabalhei. Então, nessa um complementa o outro. E assim vamos indo. O que acha?

-É, parece bom. Mas diga-me uma coisa. E o dinheiro inicial? – André junta o polegar com o indicador e faz aquele gesto característico financeiro.

-Bom, precisamos colocar uma graninha pra legalizar, alugar um espaço, comprar umas máquinas, ou turbinar as que temos, comprar uma LCD, um home theater, material de escritório, etc. Aí vamos ter que ter um pequeno custo inicial, mas que será coberto com certeza com o nosso primeiro cliente. Afinal esse é um trabalho que não trabalha com merreca, você sabe.

André fica dividido. É uma coisa que ele também gosta e se vê. Por outro lado, é uma atividade que exigira um tempo que ele atualmente planejava gastar com força e garra na publicação do romance. SE entrar na sociedade com Henrique, pode ser que o projeto do livro fique novamente em segundo plano. Afinal o amigo oferece uma proposta de iniciar uma empresa do zero, sem clientes, sem estrutura, ou melhor, a início com uma estrutura bastante enxuta, que seria resumida apenas aos dois e a alguns colaboradores autônomos, o que daria um belo de um trabalho de controle e supervisão; ou seja: o tempo para dedicar-se ao romance seria ainda mais reduzido. Por outro lado, é um desafio igualmente interessante: uma empresa, ser dono do próprio negócio e por um lado o trabalho duro, mas por outro, o certo glamour que a idéia proporciona. Isso o deixava extremamente balançado.

-Cara, acho a idéia bem interessante. Me deixa animado, mas você sabe que eu tento nesse momento publicar o romance, e iniciar uma empresa é uma tarefa trabalhosa pra caramba! É quase como dedicar-se a um filho. Atenção integral por doze, quatorze horas por dia. E por outro lado é a mesma dedicação que exige tentar publicar um romance.

- Mas olha outro lado. Você pode levantar um dinheiro com o primeiro projeto que vai te abrir as portas como editor independente. Vamos ser honestos que nessa área você tem que ter um QI do caramba. Se o cara for teu parceiro você consegue tudo rapidinho. Não é à toa que as prateleiras das livrarias estão cheias de lixo à venda. É gente que saiu de programa de auditório, que fez macacada, que deu perdido na esposa famosa, chifrou sei lá quem e faz um livro. Então, nesse lado, acho que valeria mais a pena você publicar o seu livro, e depois, com ele em mãos e resultado concreto, aí sim contactar essas editoras principais e negociar com elas. Mas para isso, você precisa de dinheiro, e com o negócio, você levanta uma graninha maneira. Responde Henrique.

-Tudo bem, entendo o ponto, mas por outro lado, o capital inicial, e não é a banda...

– E o engraçadinho sou eu né...André é interrompido por Henrique

- Pois é, ne...tenho que manter a forma...mas como dizia: a verba inicial que colocaria no negócio, poderia utilizar para publicar o livro.

-E depois viver de que? Vento ou luz? Você ia pegar todas as suas reservas, ou uma parte delas e investir em uma publicação que você não pode esperar um retorno certo, ou pelo menos uma garantia mensal pra que você se mantenha. Complementa o amigo.

André sentia o tom de vendedor na conversa de Henrique. Já ouvira o papo do amigo em outras versões, e em outras situações direcionado a outras pessoas. Por um lado estava certo, por outro, para André, a conversa soava nitidamente como papo de vendedor.

- Está certo em parte. Mas de qualquer maneira é uma coisa pra se pensar com carinho, afinal, vamos colocar uma grana em um negócio que terá um tempo de retorno também.

- Mas você vai ter o seu pro-labore garantido...

-André olha para Henrique.

-É o jeito mais afrescalhado que chamam o salário do dono do negócio.

- Estudou hein. SEBRAE faz milagre – complementa André enquanto aponta para a direção do amigo.

-Claro, não vou ficar às escuras. E você também não. Afinal se mergulhar nessa de cabeça vamos ter que pegar mais informações e levantar tudo direitinho pra não ter furo. Digo a você que não quero entrar e tampouco colocarmo-nos em uma canoa furada. Esse negócio é pra ir pra frente, e não pra sumir. Vamos fazer o maior sucesso, camarada!

Enquanto Henrique complementa a frase, André come um galeto, e Henrique pega uma porção de batatas-fritas.

-Olha Henrique, não te garanto nada, mas prometo que vou pensar, levantar os dados e ver como fica. A Idéia é boa sim, e acho que até vale a pena. Mas como te disse, vou pensar.

-É assim que se fala! E pra ajudar vamos combinar para passarmos nos centros de apoio para levantarmos informações, além de custos. Se é isso que lhe preocupa. – Responde Henrique.

- Também, mas principalmente quanto a questão do momento em relação ao romance que escrevi. Mas você já possui esses custos, não? Pergunta André.

- Alguns, sim. Ainda preciso verificar custos de legalização, tempo, etc. Fiz apenas os custos de aluguel de espaço, compra de materiais, computadores, impressão de folders, cartões, etc. Uma coisa mais básica. Ainda faltam algumas coisas, e é aí que você vai me ajudar.

- Estava muito bom para ser verdade. Complementa André, em tom jocoso, porém amistoso.

Henrique levanta o copo e brinda com o amigo.