Reminiscências 01

Este conto faz parte de uma série de fatos ocorridos na minha infância. Fatos estes que insistem em não abandonar minha memória e que eu resolvi relatá-los mesmo considerando minhas limitações como escritor. No entanto, penso que de alguma forma não deveriam ser guardados só para mim. Espero que gostem. PK

Minha doce avó Sebastiana

A mais doce lembrança (no sentido literário da palavra) de minha infância vem de minha avó materna, Sebastiana.

Tive o privilégio de ser escolhido por minha mãe para ser seu companheiro de passeios e visitas. Dona Fia era magrinha, pequena e tinha o hábito de andar muito rápido e somente eu conseguia acompanhá-la.

A casa de meus avós era muito distante da nossa fazenda. No bairro São Bernardo, num local chamado Lima. Mesmo assim, uma vez no mês minha mãe e eu os visitávamos. Sempre aproveitando alguns finais de semanas, feriados ou épocas de festejos. Muitas vezes mais por necessidade, do que por prazer.

A noite que antecedia estes “passeios”, na casa de minha avó era de pura ansiedade. Quase que eu não dormia.

Ainda escuro estávamos em pé. Minha mãe passava algumas ordens para minhas irmãs mais velhas Izabel e Vera, fazia um verdadeiro “rosário” de recomendações e iniciávamos nossa longa caminhada.

Sempre retornávamos no dia seguinte, por conta da distância e da quantidade de parentes que tinha ao longo do caminho e que Dona Fia fazia questão de “portar” nem que fosse por alguns minutos.

E lá íamos nós. Casa de Tia Odila dez minutos, Tia Venita mais dez, Tia Nelsa uns quinze, Tia Noêmia outros quinze e assim por diante.

Em cada parada, café com leite puro, “bolão” de fubá, rosquinhas e com alguma sorte, também doces.

Bem antes do horário do almoço já estávamos no caminho principal que nos levava a casa de meus avós. A cada passada, parece que o coração crescia no peito, tamanha era a emoção.

Ao vencermos o último morro, já avistávamos a enorme casa verde com suas longas janelas, o que me trazia a lembrança de um enorme rosto humano ao pé da montanha.

Em pouco tempo estávamos cruzando uma enorme porteira de onde se avistava uma escadaria, que dava acesso a sala. Sala esta que para mim era especial, sobre a qual falarei adiante.

Pronto, agora era só atravessar o curral. Cansaço? Acabava ali mesmo.

Lembro-me nitidamente da figura alegre de minha avó nos esperando no alto dos degraus. Ela tinha o rosto longo e usava enormes óculos o qual não conseguia esconder aquele sorriso capaz de cativar a pior das criaturas.

Por educação, deixava que minha mãe pedisse benção primeiro. Em seguida ela me abraçava e beijava longamente. Perguntava de todos, sem esquecer dos nomes de nenhum dos meus irmãos. Ah, Como eu a admirava!!

Mas, na minha concepção de criança, o melhor estava por vir. Lembram da sala especial? Pois bem, ao adentrarmos pela porta, do lado direito ficava uma enorme “cristaleira” (desses móveis que hoje já não se usa mais).

Por ser quase que inteiramente de vidro, via-se tudo que tinha em seu interior, inclusive os potes de doces, biscoitos, quitutes e outras guloseimas que minha avó fazia e guardava.

Ela havia aprendido algumas incríveis técnicas de conservação, uma vez que geladeira era coisa que só existia na cidade, e eram raras.

Os dias que se seguiam eram os mais felizes de minha existência e não era para menos. Imagine você sendo paparicado por avós e tios ainda tendo os mais variados tipos de guloseimas ao seu alcance. É claro que tudo na sua devida hora. Naquele tempo as pessoas tinham regras para serem cumpridas e com a alimentação não era diferente.

A noite sentávamos próximo a um enorme fogão a lenha, ocasião em que meu avô João Nunes e meu tio José contavam histórias de seus dia-a-dia, do trabalho, caçadas e aventuras que faziam. Comíamos até “entupi” e dávamos muitas gargalhadas. Eram noites mágicas!

No dia seguinte, sempre após um farto almoço, é claro, era “pé no caminho” novamente. Despedíamos de todos, sempre com a promessa de retornar em outras ocasiões, sob o olhar bondoso e cheio de lágrimas de minha avó Sebastiana. Quanto privilégio, meu Deus!

Quantas crianças nos dias de hoje não tem e não terão essas oportunidades! Não sabem o que significa a casa simples de uma avó, com uma cristaleira repleta de doces!

No entanto, hoje percebo que mais doce que aquelas guloseimas eram a atenção, o afeto e a paciência dispensadas por nossos pais e avós tão necessários e ausentes nos dias atuais. Que pena!!!