Foi assim:

Um dia ele saiu da árvore e conseguiu andar sobre duas pernas. Inventou uma lança, abateu uma caça, carregou a melhor fêmea pelos cabelos até uma caverna e constituiu um grupo coeso num local abrigado, acolhedor e salubre.

Um nômade com seu grupo em busca de abrigo e alimento passava por ali e viu o núcleo aparentemente estável e aquela caverna confortável, e imaginou que, por ser tão grande, poderia se instalar com seu próprio grupo ali também, afinal havia espaço de sobra para todos. Foi negociar com o chefe do núcleo, mas ele foi irredutível.

O nômade teve uma idéia. Ofereceu ao chefe seus serviços: poderia caçar para eles, em troca de um pouco daquele espaço. O chefe achou razoável e combinaram que, a cada caça que trouxesse, ele ganharia espaço para uma pessoa de seu grupo.

Algum tempo depois, o nômade trouxe uma grande caça que alimentaria ambos os grupos por semanas. Achou por bem pedir ao chefe, ao invés de espaço para uma só pessoa, que abrigasse de vez todo o grupo; mas ele não concordou. O nômade ficou revoltado, então pediu ao chefe ao menos um naco maior de carne, afinal ali havia mais do que suficiente para todos... novamente o chefe, antevendo muitos dias de ócio por conta daquela fartura que lhe cabia, também não concordou.

Então o nômade, aborrecido com tamanha injustiça, juntou-se com outros homens de seu grupo e decidiu que, a partir daquele dia, não mais caçaria para o chefe, até que ele se decidisse a lhe fazer algumas concessões. Houve brigas homéricas entre os grupos.

Mas, enquanto isso, um dos mais tímidos integrantes do clã dos nômades descobriu acidentalmente uma coisa quente, vermelha e viva, que podia aquecer nas noites frias e cozinhar a carne crua, bem como queimar a pele de quem chegasse perto - o que arrefeceu os ânimos dos beligerantes e uniu em torno daquele tímido inventor um outro grupo de integrantes, maravilhados com sua sabedoria.

O chefe enlouqueceu com a descoberta; imediatamente liberou a caverna para todos e pediu ao inventor que o ensinasse a fazer aquilo. O inventor disse que não podia ensinar, mas garantiu que, se o chefe desse o melhor espaço de sua caverna para ele próprio e seu recém formado grupo, em troca lhe daria um pedaço de sua acha com fogo. O chefe concordou e reduziu drasticamente o espaço do nômade e sua família, para liberar mais espaço na caverna para o inventor.

Um esperto integrante deste novo grupo, com grande rapidez, aprendeu a reproduzir o fogo e fazer várias fogueiras. Arrebanhou instantaneamente para si alguns integrantes dos outros clãs, entusiasmados com tanta esperteza; e assim ele tinha cada vez mais adeptos, mais fêmeas e mais comida, pois todos faziam qualquer coisa por um pouco de fogo...

Porém, com tanto fogo ao redor daquela caverna apinhada de gente, um grande incêncio acabou por se alastrar pela vegetação em torno, destruindo tudo, afugentando a caça e deixando o ar da caverna irrespirável. Isso os obrigou a partir de lá e buscar outro lugar para viverem. E assim os quatro grupos se foram, levando consigo algumas achas com fogo – o do chefe com uma, o do inventor com outra, e o do esperto com várias. O grupo do nômade não tinha nenhuma.

Muitos dias e muitos quilômetros depois, encontraram outro clã, no qual havia um líder que se enfeitava com peles de animais e flores na cabeça; e todos o respeitavam e adoravam, cantando-lhe hinos de louvor e entregando-lhe alimentos e fêmeas. O nômade, o chefe, o inventor e o esperto perceberam, cada um a seu modo, que aquilo devia ser muito bom, e seus olhos brilharam de cobiça - enquanto o líder, sob suas flores e peles, desejava secreta e avidamente aquela coisa viva, vermelha e quente que os forasteiros traziam na ponta dos pedaços de madeira...

Bem, o resto vocês já sabem.

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Este texto faz parte do Exercício Criativo - E Foi Assim Que a Briga Começou.

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