"QUE SEDE DA PESTE" Conto de: Flávio Cavalcante

QUE SEDE DA PESTE!

Conto de:

Flávio Cavalcante

Seu Venâncio era um contador de histórias lá do sertão nordestino. Conhecia ás caatingas e a seca como ninguém mais conhecia. Afinal de contas ele tinha um grau de parentesco muito próximo com os cangaceiros andarilhos de lampião. Era um sujeito homem, cabra da peste que gostava de suas coisas tudo no lugar certo.

Conhecia todo tipo de bicho naquele lugar seco e quente. As peçonhentas cobras tinham medo de seu Venâncio pelo fato dele ser um rezador misterioso. De manhã o que ele gostava mesmo de fazer era ficar contemplando o nascer do sol perto de uma porteira velha. Ele subia em cima de uma pedra e fica agachado até o nascer completamente do sol.

A paisagem seca mostrava na feição de Venâncio a única infelicidade do lugar. Ele já estava refletindo várias vezes de ir embora do lugar e o que mantinha a decisão de ficar naquelas terras era primeiramente a esperança de um dia Deus abençoar o cancha e mandar pelo menos algumas gostas de chuva para do chão ressurgir um verde, tirando de suas vistas aquele cenário apagado de folhas mortas.

Além dessa esperança o velho Venâncio tinha uma vaquinha leiteira e ficava admirado como ela tinha força para dar leite ainda em abundância, pelo menos pra o seu sustento.

Mesmo com todo conhecimento que ele carregava, uma noite de lua, a vaquinha foi picada por uma jararaca e sem perceber, seu Venâncio só veio dar fé no dia seguinte e assim que chegou próximo da pedra aonde ele via o sol nascer, estava a vaquinha estirada e morta.

Daí não teve mais jeito e seu Venâncio pegou seus trapos e abandonou a sua casa. Resolveu ir em busca de novos horizontes. Passou o dia todo andando em sol causticante num imenso deserto de barro batido e folhagem seca rasteira. Vez em quando ele se deparava com uma carcaça de bicho morto e muito urubu comendo o restante da carniça.

A lembrança da sua vaca leiteira bombardeava o seu coração, que o fazia soluçar de tanto choro. Mas à vontade de sair daquele lugar era maior do que ele. Parecia coisa vinda dos céus. Ele retirou forças que nem ele mesmo sabia de onde.

Finalmente ao longe, seu Venâncio avistou uma choupana e já com o emaranhado nos olhos devido ao sol e sede que estava lhe consumindo, ele chegou a pensar que tivesse vendo ali, uma miragem e mesmo assim foi em direção á choupana.

Depois de mais meia hora de andada até o casebre, finalmente conseguiu chegar ao destino. A pequena varandinha da choupana era coberta com palhas. No canto de parede tinha um banco de madeira rústica. Foi a salvação e a felicidade do velho, que não estava mais se agüentando de cansaço. O dono da casa, um senhor também anoso sofredor com as conseqüências provocadas pela natureza, ofereceu a seu Venâncio água pra matar a sua sede.

Bastou o velho falar esta palavra pra o viajante abrir aquele sorriso de muito felicidade. Agradeceu e o anfitrião foi pegar uma caneca de água. Ao voltar deu nas mãos do Venâncio e disse pra ele.

“MEU AMIGO. EU SÓ TENHO ESSA CANECA, QUE É A DO MEU USO”.

E quando Venâncio olhou para o velho, viu que ele tinha uma doença crônica em sua boca. O estado era de putrefação e muito mosquito pousando em cima. Larvas produzidas por moscas varejeiras também marcavam sua presença.

Sem saber o que fazer depois que o anfitrião falou que era a única caneca que tinha, ele começou a beber a água pela canto da asa. E bebeu com muito gosto, pois a sede era muita.

A dono da casa ao vir aquela façanha começou a rir e o Venâncio ficou sem entender o motivo da risada do velho. Cada gole que Venâncio tomava aí era que o velho caía em gargalhadas.

Aquela cena foi deixando Venâncio furioso e acabou interrogando o velho.

“OSENHOR PODERIA ME DIZER O MOTIVO DE TANTA RISADA?”

O velho retruca sem conseguir parar de sorrir.

Não é nada não, home... Eu só tou achando estranho porque o senhor toma água no mesmo lugar que eu gosto de tomar.

Venâncio quase vomitou na hora que o velho revelou o seu motivo da risada, mas se agüentou, agradeceu ao dono da casa e saiu novamente enfrentando o sol causticante.

COM CERTEZA Á PROXIMA CHOUPANA QUE O VENÂNCIO ENCONTRAR Á SUA FRENTE, ELE VAI BEBER NO GARGALO, MAS EM COPO? VAI PASSAR UM BOM TEMPO ATÉ ESQUECER DE VEZ ESSA FAÇANHA DO VELHO CHEIO DE FERIDA NA BOCA.

- FIM -

Flavio Cavalcante
Enviado por Flavio Cavalcante em 28/10/2009
Código do texto: T1891340
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.