Contos de Fadas Sem Final Feliz - A Pescadora Feliz

Era uma vez, uma mulher simples e humilde que apesar de tudo era feliz. Ela tinha uma casa pobre no meio do nada, mas ela a amava, pois era toda sua. A mulher vivia sozinha em sua casa e todos os dias ela ia, de manhã, pescar num riacho. Os peixes que ela conseguia ela vendia na aldeia e comprava um pão, um ovo e uma caneca de leite.

No café da manhã, ela comia o ovo cozido e saía para pescar. No almoço ela comia metade do pão que comprara no dia anterior, com um peixe frito e seguia para a vila vender o peixe que pescara. E quando voltava da vila, onde trocava seu peixe por mais pão, ovo e leite, ela jantava a uma metade do pão, bebia a caneca de leite e ia dormir. A outra metade do pão fiava para o almoço do dia seguinte. Ela vivia essa vida simples, mas era feliz, por que jamais precisou ou sonhou de mais do que tinha.

Um dia, a vida dessa pescadora feliz mudou quando, numa manhã enquanto pescava, ela teve um susto. Ao puxar a vara de pesca, a pescadora feliz viu um enorme peixe gordo preso no anzol. A pescadora já viu naquele peixe, dois pães em vez de apenas um. Mas quando pegou o peixe na mão pra tirar o anzol, o peixe abriu a boca e disse:

— Por favor, me liberte!

A pescadora se assustou e soltou o peixe grande e gordo no chão, que ficou saltitando e se dobrando, se afogando fora da água. A pescadora achou por um momento que a fome contínua que sentia, e que já se acostumara, estivesse lhe dando alucinações. Ela se aproximou para o pegar o peixe e guardar em seu cesto de vime. Antes de sua mão tocar no peixe, o animal disse:

— Por favor, me devolva para a água!

A pescadora, confusa, tirou o anzol da boca do peixe e o jogou no riacho. O peixe imediatamente voltou a superfície, pôs a cabeça para fora e disse:

— Obrigado por salvar a minha vida. Eu sou um peixe mágico. E vou realizar todos os desejos de seu coração.

— Mas eu não tenho desejo nenhum. Eu sou feliz!

— Todos sempre desejam algo que não têm, algo que não puderam ter por sua condição econômica. Eu sei que deve haver algo que seu coração deseja. Pense bem, eu sou mágico e meu poder é imenso. Eu posso lhe dar o que desejar. Qualquer coisa.

— Eu já disse: eu sou feliz. Tenho tudo o que quero. E o que preciso, eu compro o meu trabalho. Não quero nada que esteja fora de minha condição. Eu sou uma pescadora e sou feliz.

— Vamos fazer o seguinte, eu vou te dar um prazo para pensar. Um dia. Você terá um dia para olhar em seu coração e saber se tem tudo o que quer e amanhã, na mesma hora de hoje, volte aqui e eu lhe darei tudo o que pedir.

E dizendo isso o peixe mergulhou novamente e desapareceu nas águas claras e límpidas do riacho.

A mulher levou os peixes que já pescara para o a vila mais próxima e troco-os novamente por um pão, um ovo e uma caneca de leite. No caminho ela pensou que não havia nada que pudesse querer. A pescadora feliz conhecia o próprio coração e sabia que ele não desejava nada.

Ao fim da tarde, voltando da vila, exausta do percurso de vários quilômetros, a mulher, inocentemente, desejou sandálias novas. As que usava, já estavam velhas e gastas de tanto andar, e sandálias novas tornariam a caminhada mais confortável. É, pediria sandálias novas, afinal, que mal haveria de pedir um par de sandálias novas?

Ao chegar em casa, esquentou o leite no fogão à lenha e cortou o pão em fatias pequenas, assim parecia que era mais que apenas meio pão. Assim que levou o pão a boca, sentiu um cheiro comum de peixe, cheiro que vinha da faca, pois a pescadora tinha apenas uma faca, e com ela descamava os peixes e cortava-os para fritar, assim como fatiava o pão. Uma vez, apenas uma vez, ela queria comer um pão que não tivesse aquele cheiro de peixe, que tivesse gosto e cheiro de pão.

E então disse em voz alta:

— Eu poderia pedir uma faca nova, uma faca que eu não usaria pra descamar peixes, apenas para cortar o pão. Não faria mal. É, vou pedir uma par de sandálias novas e uma faca nova.

A pescadora pegou a caneca com leite aquecido e aproximou-a da boca e queimou os lábios. O leite estava quente, e a caneca de metal aqueceu. E então disse:

— Eu bem que poderia ter um copo menor, o leite não se manteria ao quente. Assim eu também poderia deixar a caneca só para esquentar o leite, não beberia nela também.

E a mulher anotou mentalmente: sandálias novas, uma faca nova e um copo pequeno.

Quando finalmente o dia seguinte amanheceu, a pescadora feliz estava muito nervosa. Comeu seu ovo cozido rapidamente e foi direto ao riacho esperar que o peixe mágico aparecesse e realizasse seus desejos. Ela nem levou sua vara de pescar, pois iria somente para fazer seus pedidos, e como eram muitos, ela precisaria das mãos desocupadas para carregar tudo.

Entre a manhã anterior e esta, a mulher listara um par de sandálias novas, uma faca nova, um copo pequeno, pratos de metal em vez dos de madeira, algumas panelas, lençóis para sua cama, um colchão mais macio (o seu era de palha), uma colcha grossa e roupas quentes para o inverno, roupas mais leves para o verão, uma ou duas galinhas (assim não precisaria comprar o ovo), sapatos fechados para dias frios, uma vara de pescar de melhor qualidade, uma vaca leiteira, um latão onde ela pudesse armazenar o leite, e finalmente, uma carroça com um cavalo (com a qual ela poderia levar seus próprios leite e ovos para vender na vila).

A pescadora feliz chegou cedo à beira do riacho, sentou-se na margem e esperou que o peixe mágico aparecesse e realizasse os desejos de seu coração. Ela esperou, e esperou. A manhã se foi, ela comeu a metade do pão do almoço, mas apenas pão puro. Como a mulher não havia pescado, ela não tinha peixe para acompanhar o pão. As horas passaram, o sol ficou à pino e logo começou a descer. A mulher achou que pudesse estar no lugar errado do riacho. Caminhou várias e várias vezes pela margem procurando o local do dia anterior e logo se convenceu de que estava no lugar certo.

Finalmente o céu começou a se tingir de vermelho e laranja. Não demorou e anoiteceu. A mulher voltou para casa depois de ter passado o dia todo à beira do riacho, esperando o peixe mágico, que não apareceu.

A pescadora não tinha pescado um único peixe, não tinha ido a vila para vendê-los, não comprara pão, leite e ovo. A última metade do pão, ela comera no almoço. Ela não tinha comprado leite para beber antes de dormir, e amanhã cedo, quando fosse pescar, ela não teria o seu costumeiro ovo cozido. Esta noite, a pescadora passaria fome.

Nunca desejando mais do possuía ou poderia ter, a pescadora se julgava feliz. Mas ao ser lhe dado a possibilidade de conseguir tudo o que quisesse, sem reservas, ela sonhou e desejou coisas que não tinha e nem poderia ter sendo ela tão simples. A pescadora feliz, deixou de ser feliz.

FIM

Thiago A Almeida
Enviado por Thiago A Almeida em 29/10/2009
Reeditado em 06/12/2009
Código do texto: T1893441
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