O Hot Dog de Deus

No final do dia, Marcelo deixava o balcão da farmácia, em que trabalhava como vendedor, para ir à universidade. Ele não estudava, vendia cachorro-quente em frente á Universidade U.. Estacionava seu carrinho de cachorro-quente, que se transformava em uma barraquinha, próximo ao portão da universidade e ali trabalhava até o último aluno ir embora.

O cachorro-quente feito por Marcelo era conhecido por todos os alunos da Universidade U. e também pelos moradores da região. Delicioso. Ele usava salsichas da melhor qualidade, tinha uma grande variedade de recheios e fazia o melhor molho de cachorro-quente do mundo; um molho incomparável, e seu aroma, que se espalhava por toda universidade, excitava a fome de todos.

Santiago, um jovem estudante de Farmácia e grande apreciador do cachorro-quente do Marcelo, conversava com este sobre uma festa, que sua turma estava organizando, para arrecadar fundos para a formatura. A festa seria na próxima sexta-feira, a última antes das férias de julho. Santiago sugeriu que Marcelo vendesse cachorro-quente na festa, pois, ele havia comentado, que em julho, ele não consegue vender tanto cachorro-quente quanto vende nos meses de aula e sua renda cai muito. Haveria muita gente na festa e o estudante não cobraria nada dele, ficando Marcelo apenas com sua própria despesa.

Na dia seguinte, quinta-feira, Marcelo saiu mais cedo da farmácia para fazer as compras para a festa. Seu estoque estava no fim. Entretanto, Marcelo comprou para um dia, o estoque suficiente para um mês. Ele não poupou dinheiro por causa do que dissera Santiago: “Você pode vender na festa o tanto que venderia em um mês e com o preço mais alto.” Já de madrugada, Marcelo preparara o seu molho especial, usou tudo que tinha comprado. O sol deu o seu sorriso e Marcelo foi trabalhar . Após o expediente na farmácia, tomou um banho rápido, engatou o carrinho de cachorro-quente na sua belina 82 e partiu para o local da festa, uma chácara próxima à Goiânia. Era uma chácara pequena mas bastante confortável, com piscina, quadra de esportes, churrasqueira e um grande salão de eventos.

Marcelo chegou ás 20:00 horas, a festa começaria às 22:00 horas. Ele foi orientado por Santiago a montar sua barraquinha ao lado da entrada do salão de eventos. A festa se concentraria no salão, onde estavam as mesas e uma pista de dança improvisada. Marcelo ali se instalou, organizou os recheios, colocou as salsichas na água quente e o molho na panela. Ficou aguardando a chegada dos convidados.

Às 22:05 chegaram os primeiros convidados, um casal de namorados. Entraram no salão e nem perceberam a barraquinha de cachorro-quente. Sentaram-se numa das mesas enquanto tocava um blues. Aos poucos foram chegando mais convidados. Às 23:30 o salão já estava cheio, agora tocavam rock dos anos 80 e a pista de dança estava completamente tomada. Era uma festa de jovens universitários regada a muita cerveja. Quando alguém resolvia comer algo comprava um espetinho de carne vendido no interior do salão onde ficava a churrasqueira. Ninguém se interessava pelo cachorro-quente do Marcelo; 1:00 hora da madrugada e nenhum cachorro-quente vendido, 2:00 horas, 3:00 horas e nenhuma venda. Marcelo não quis esperar o final da festa, quando começava a desmontar sua barraquinha, um jovem embriagado, que mal conseguia manter-se em pé, pediu um cachorro-quente. Marcelo preparou um com capricho para o bêbado e ao cobrar-lhe o valor do cachorro-quente que era de 3,00 Reais, o jovem ébrio só tinha uma nota amassada de 2 reais, o que sobrara da bebedeira; como o rapaz já havia mordido o pão, Marcelo pegou o dinheiro, falou alguns impropérios, desmontou a barraquinha e foi embora bufando.

Já com o sol despertando no horizonte, Marcelo terminou de organizar as coisas em casa e foi dormir. Acordou na hora do almoço com a cabeça latejando por causa do desastre da festa. Pensava como faria para acabar com todo quele estoque que comprou pra festa sem as vendas na universidade.

Suelene, esposa de Marcelo, com quem tinha duas filhas, Marcelene de 12 anos e Suelmar de 10 anos, lembrou-lhe da confraternização que o Pastor Ledir, da Igreja Celestial do Império de Cristo, igreja que frequentavam a 5 anos, faria no domingo. Após o almoço Marcelo foi até a igreja conversar com o pastor.

Ledir Mancebo trabalhava como mecânico na oficina de um alemão. O salário era pouco mas os gastos eram muitos. Vivia endividado. Ao desabafar à Marcirene, secretária da oficina, sobre suas dívidas, esta convidou-o a conhecer a igreja que frequentva, e que lá Jesus entraria no seu coração e todos os seus problemas seriam resolvidos. Ele foi e na chegada observou um carro luxuoso, uma Mercedes Benz, sendo estacionado numa garagem privativa da igreja, de dentro do carro saiu um homem elegante num terno fino, desses de grife. Entrou na igreja, uma imponente catedral, dessas bem modernas com vidros espelhados. Ao começar o culto, para sua surpresa, descobriu que o pastor era o homem elegante que saíra da Mercedes Benz. Ledir Mancebo ficou até o final, ouviu alguns testemunhos de milagres e ficou impressionado com a quantidade de dinheiro que a igreja arrecadou entre os fieis num único culto. Chegou a uma conclusão: “vou virar pastor e montar uma igreja. Ele estudou, formou-se pastor, abriu uma pequena igreja no prédio de uma antiga panificadora, em um bairro de baixa renda. Alguns anos depois, o Pastor Ledir já possuía duas igrejas e tinha planos para construir uma grande catedral e comprar uma emissora de rádio.

O pastor estava no salão de festas construído nos fundos da igreja, orientava o seu pessoal nos preparativos da festa. Marcelo foi bem recebido, era um excelente dizimista, pagava em dia. Contou ao pastor a história da festa e perguntou se poderia vender os cachorros-quentes na festa da igreja. O Pastor Ledir respondeu: “É uma confraternização e não será permitido comercializar qualquer coisa na festa, se eu deixar você vender na festa, outras pessoas também vão querer vender algo. Mas..., vejo que Jesus está tocando seu coração misericordioso e está pedindo para você doar estes alimentos para nossa festa”. Marcelo disse: “Eu não vou conseguir vender mesmo e logo o molho que eu fiz vai se estragar..., o senhor pode mandar buscar os produtos lá em casa”. Uma hora depois o pastor mandou busca-los.

Marcelo foi à festa com toda a sua família. No salão de festas, suas filhas foram brincar com outras crianças; enquanto Suelene conversava com algumas irmãs, ele resolveu andar pela festa. De repente, Marcelo foi envolvido por um aroma enfeitiçante, era o cheiro do seu molho fantástico. Apesar do Marcelo estar acostumado com o aroma do molho, nesse momento algo estranho aconteceu, ele sentiu uma vontade colossal de comer um cachorro-quente. Como num desenho animado ele se sentiu carregado pelo cheiro e foi até a barraca de cachorro-quente. Pediu um com tudo a que tinha direito, e para capricharem no molho. Saboreou aquela guloseima, com aquele inconfundível molho, como se nunca a tivesse experimentado. Terminou de comer e quando caminhava em direção de onde estava sua esposa, escutou uma voz chamando: “Ei, psiu, os senhor se esqueceu de pagar”. “Pagar?”, perguntou Marcelo. Então o jovem que servia o cachorro-quente apontou o dedo para uma placa no alto da barraca , que Marcelo não percebera, que estava escrito: “HOT DOG DE DEUS – 5,00 Real”. Marcelo fico petrificado por alguns segundos; pagou, chamou suas filhas e a esposa para irem embora. Ele estava furioso. Foi todo trajeto da festa para casa calado, remoendo o ódio que sentia pelo Pastor Messias. Marcelo nunca mais entrou numa igreja ou seguiu qualquer outra religião, mas continuou crendo em Deus.