Chovia torrencialmente.

Os pingos espatifavam na vidraça da janela e escorriam como lágrimas escorrem na face diante do desalento. Em minhas veias tentava dosar os líquidos em efusão, das emoções que teimam em misturar-se como se fácil fosse em pipeta de vida.

O pensamento ia longe quando percebi o som, meio distante, do telefone. Na insistência peculiar da modernidade que cansa à medida que avança, mas que nesse momento me fez viva e desejada, aliviando minha alma, corri para atender.

Meu coração pôde sentir que era ele, pelo ritmo descompassado e quase uma disfunção química que comandava meu corpo quando, com voz trêmula, balbuciei "alô".


Não me enganei. Com uma voz sedutora e ao mesmo tempo suave, convidou-me a ir ao seu encontro. Estava no plantão. A delegacia vazia. Tudo calmo, nenhuma ocorrência. Apenas ele. Ele, a madrugada e aquela chuva...porque chovia, chovia torrencialmente...

Num ímpeto, liguei para Rafaela. Queria ouvir sua opinião. Afinal, mal o conhecia e poderia até ser loucura encontrá-lo nessas condições. Na verdade eu queria seu apoio e informar, mesmo que indiretamente, onde estaria se algo me acontecesse. Sempre fazia isso com ela e com Fernanda. Era quase como um código, secreto até para nós mesmas. Mas sabíamos o que queria dizer.

Não escutei sua resposta, estava decidida a encontrá-lo. Em segundos estava pronta.

No caminho, um turbilhão de pensamentos flutuavam, parecendo estraçalhar no vidro do carro junto com os pingos da chuva. Que loucura. Mal o conheço...

Entre a consciência que retrógrada insistia para que voltasse e o desejo de sentir aqueles beijos, segui firme o latente caminho da pulsação em minhas veias.

Desci desconfiada. O que uma mulher faria sozinha por àquelas horas numa delegacia? Bem, poderia ir da queixa de algum roubo. Por que não?

O coração disparava enquanto eu olhava desconfiada pela janela. Não dava pra ver nada. Resolvi seguir até a porta e antes mesmo que pudesse procurá-lo ele veio me receber.

Estava tonta. Uma loucura, bem sei, mas e daí? Todos nós não temos direito a loucuras de vez em quando?

Antes que os pensamentos me confundissem ele veio e me abraçou carinhosamente por trás, beijando minha nuca. Tive certeza que era ali que deveria estar naquele momento.

E em poucos minutos me vi comandada, dominada, entregue àquele homem que masculamente tirava a arma do bolso e colocava em cima da mesa, não antes de ordenar-me que entrasse na cela vazia daquela delegacia.

E completamente entregue às suas ordens eu entrei...

Durante horas senti todos os prazeres que uma mulher deseja sentir.

E naquela madrugada esta foi a única ocorrência em seu plantão.

Enquanto lá fora chovia... chovia torrencialmente....


 
TACIANA VALENÇA
Enviado por TACIANA VALENÇA em 14/11/2009
Reeditado em 22/04/2017
Código do texto: T1923823
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