A DOR DE UMA FINGIDA EXISTÊNCIA

Era uma vez, uma criatura que fingia tudo, pois, para ela, parecia impossível viver a própria realidade.

Ela fingia aceitar isso com bastante naturalidade, mas sofria terrivelmente com o fato, embora constantemente fingisse eterna satisfação.

Para que a sua verdadeira identidade não fosse revelada, ela procurava adaptar-se às pessoas e aos acontecimentos, fingindo parceria e solidariedade.

Às vezes fingia sorrir das anedotas da vida, outras vezes fingia chorar das tragédias, mas era, na verdade, absolutamente indiferente a tudo.

Para simular uma perfeita sobrevivência, protegida pelas paredes do seu mistério, ela fingia trabalhar; e quando isso a deixava exausta, ela fingia descansar.

Nunca consultara um médico, pois fingia eterna disposição e saúde.

Quando a noite inspirava o recolhimento, ela fingia dormir; e em seu sono fingido, ela sonhava sempre que era alguém que não fingia, mas antes que isso pudesse, pelo menos parecer verdade, ela fingia acordar e fazia de conta que um novo dia começava em sua vida.

Mas, eis que um dia, ela foi surpreendida pelo tempo, fingindo cantar a mais complexa das canções, em cuja letra, tentava esconder uma grande e misteriosa dor: a dor de sua fingida existência.

Pois descobrira, enfim, que enquanto ela fingia que existia, os outros fingiam que acreditavam nela;

E assim, não lhe restando mais nenhuma alternativa de forjar a vida...

Ela fingiu morrer.

josealdyr@gmail.com